A cura para a amnésia do governo

A forma desidiosa de tratar os evangélicos que provaram seu valor na campanha de Lula pode indicar o ocaso do PT na esfera do executivo federal em 2026.

A cura para a amnésia do governo

“Naquela mesma noite fugiu do rei o sono; então ele mandou trazer o livro de registro das crônicas, as quais se leram diante do rei. E achou-se escrito que Mardoqueu tinha denunciado Bigtã e Teres, dois dos eunucos do rei, guardas da porta, que tinham procurado tirar a vida do rei Assuero. E o rei perguntou: que honra, ou dignidade, foi conferida a Mardoqueu por isso? Responderam os moços do rei que o serviam: Coisa nenhuma se lhe fez.” (Ester 6:1-3; grifo nosso).

Parece que o esquecimento é uma constância nos governantes, assim como as tentativas de solaparem os governos. O texto acima fala de como um homem de Deus livra o rei Assuero de uma conspiração que redundaria na sua morte. Para surpresa geral, não houve qualquer reconhecimento do governo àquele que foi decisivo para sua permanência. Ao que tudo indica, alguns dirigentes necessitam de uma boa dose de insônia para se reencontrarem com sua história recente, com seus cronistas.

Conquanto a história retirada da Bíblia sugira um certo tom providencial na amnésia real, no mundo real a ingratidão e a distância dos cronistas trazem implicações maiores aos “mardoqueus” do nosso tempo. Isto porque em uma eventual descontinuidade do governo, as “forcas de Hamã” (continue lendo o texto bíblico sugerido acima) alcançarão aqueles que apoiaram sua sustentabilidade. No meio evangélico o custo da perseguição tem sido altíssimo e amplamente noticiado pela mídia.

Neste sentido, sem a pretensão de ser cronista, mas buscando fazer justiça, é preciso destacar, dentre outros, o incansável trabalho da Frente Evangélica pelo Estado de Direito, para que Lula atingisse, novamente, os cerca de 30% de votos evangélicos, percentual similar ao que viabilizou sua primeira eleição para presidente. Ao passo que fica patente o quanto o Brasil, especialmente evangélico, regrediu no tempo, ressalta-se ainda mais a importância da atuação de líderes e políticos evangélicos que emprestaram seu prestígio pessoal senão para eleger Lula, pelo menos para proteger a nossa combalida democracia.

Em nome do que é justo registro minha incompreensão com o tratamento do atual governo aos setores do segmento evangélico que o apoiaram. Cito um exemplo: como não ter o Pastor Ariovaldo Ramos no chamado Conselhão? Essa forma desidiosa de tratar os evangélicos que provaram seu valor na campanha de Lula pode indicar o ocaso do PT na esfera do executivo federal. Ou alguém acha que em 2026 será mais fácil o trânsito com os evangélicos?

Torço para que o presidente Lula, dentre muitos dos seus acertos, seja capturado por uma insônia. Uma vez bem acordado, que ele seja relembrado da história recente pelos cronistas que registraram sua última campanha. E que ele volte a dialogar com gente cheia do Evangelho de Jesus, pois estes querem o bem do seu governo, da democracia, do país.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.