A estigmatização da arte, da cultura e da educação

A estigmatização da arte, da cultura e da educação

Circulou recentemente nas mídias sociais um vídeo falando de cantores que realizam performances em alusão à rituais satânicos. Uma moça ensanguentada em uma cama como se fosse um sacrifício feito ao maligno e um rapaz usando chapéu vermelho com chifres foram os exemplos dados. A apresentadora do vídeo argumentava que a arte estava sob o domínio de Satanás. Advertia sobre os perigos de as pessoas simplesmente consumirem esse tipo de arte sem perceberem que se trata de uma afronta a Deus. Dois exemplos de como o povo evangélico não pode fechar os olhos para o que está acontecendo. Não pode pensar que são casos isolados. “A arte é sempre demoníaca”, sentencia a apresentadora.

Chama à atenção como parcela significativa do povo evangélico tem demonizado a arte, a cultura e a educação.

Lembro-me do início de minha caminhada cristã. Estava na universidade e foi lá, naquele ambiente, que pude assistir a uma apresentação de uma orquestra. Na ocasião foram tocadas, entre outras obras, As quatro estações de Vivaldi. A complexidade dos arranjos, a sincronia entre os instrumentos, o som que envolvia a atmosfera do lugar de modo completo. Ali, como evangélico e jovem universitário, pude vivenciar uma experiência muito bonita. Uma experiência que me fazia sentir engrandecido no espírito, como se Deus estivesse falando comigo de alguma forma. Anos depois, entrei em uma igreja e no grupo de louvor estava uma moça tocando violino. Me senti tocado por Deus naquele dia.

Em Você é aquilo que ama James Smith considera que muitos jovens que estão nas igrejas hoje em dia carecem de uma narrativa que lhes faça sentido. Ok, eles sabem sobre o relato da criação, sobre o plano de redenção, sobre o sacrifício na cruz. Mas está faltando alguma coisa. Algo no mundo artístico está atraindo a atenção dos jovens para além, e algumas vezes no sentido contrário, dos princípios bíblicos.

A igreja precisa desenvolver estratégias para fazer com que esses jovens se sintam imersos em uma história. Não aquela que conta sobre êxito pessoal, consumo e transgressão. Mas uma que os faça sentir na maior história de sucesso de todas, na qual alguém foi capaz de salvar toda a humanidade com coragem, compaixão, amor e amizade. Que as conquistas e as experiências que possam ocorrer nesse mundo devem ser encaradas como degraus para uma realidade mais sublime.

A arte, a cultura e a educação ampliam nossos horizontes, abrem o mar vermelho (alusão ao livro de Êxodo no Antigo Testamento). Para que esses jovens não desejem participar de exemplos como aqueles relatados no vídeo, resta à igreja proporcionar a eles/elas opções nas quais eles percebam que o Reino de Deus e a arte podem conviver e engrandecer um ao outro.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina. Contato: joao[ponto]barros@unila[ponto]edu[ponto]br .