A extrema-direita precisa da mentira para sobreviver

Seja para ganhar novos adeptos; seja para sedimentar suas bases ideologizadas; ou ainda, para reverberar o medo e criar distopias, as redes sociais se tornaram o caminho mais fácil, e seguro, para o recrudescimento dos ideais fascistas.

A extrema-direita precisa da mentira para sobreviver

O estranhamento não é privilégio nosso. Países do Euro e até mesmo a Austrália estão debruçados sobre o tema das fakenews e seu impacto no tecido social. Ao que tudo indica, o centro, a moderação, vem sendo destruído dia sim e outro também. Só para citar um risível, porém trágico exemplo, o Governador Ronaldo Caiado foi chamado de esquerdista (???!!!) pelo bolsonarismo, por discordar do Governo Federal na sua forma de enfrentamento da COVID-19. De fato, o caminho proposto pelos algoritmos é o da polarização. Sem que percebamos, estamos sendo conduzidos para um dos lados do ring. O resultado é esse fratricídio virtual cumulativo do qual participamos todos os dias.

No entanto, o fratricídio não é o único resultado. O mundo, pelo menos a parte dele que possui alguma sensatez, vem assistindo aturdidamente o crescimento da extrema-direita, na esteira do uso das redes sociais, e da circulação de conteúdos condutores para o extremismo, bem como das fakenews.

Logicamente que não estou dizendo que a extrema-direita é formada por “memes”. Estou afirmando que seu conteúdo ideológico, que antes circulava em camadas subterrâneas da sociedade, ou mesmo que era restrito a certos fóruns da deepweb ou de grupos fechados nas redes sociais pertencentes às Big Techs, ganhou maior visibilidade. Como dantes, em momentos de fragilização e estagnação socioeconômica, as soluções mais fáceis e mais radicais exercem um atrativo sobre gente que não possui consistência. Isto porque pessoas há que são castelos; outras também, só que de areia.

A forma de adquirir adeptos é a propagação da mentira. Se no nazismo o mesmo ator precisava repeti-la uma infinidade de vezes, hoje, um disparo dos “gabinetes do ódio”, interligados a inúmeros aparelhos de celular e a um sem número de grupos e listas de transmissão, fazem esse serviço per se.

Seja para ganhar novos adeptos; seja para sedimentar suas bases ideologizadas; ou ainda, para reverberar o medo e criar distopias, as redes sociais se tornaram o caminho mais fácil, e seguro, para o recrudescimento dos ideais fascistas. O fascismo implica, entre outras coisas, na abolição dos ganhos sociais oriundos de um “socialismo de reforma”, como lembra Otto Bauer, e, também, na supressão do outro, caso sua cooptação não se mostre eficiente. Esta violência social atenta contra a democracia, contra a tolerância, contra a boa e diversa convivência.

Assim chegamos ao PL 2630. De um lado, os que se alimentam do faroeste cibernético; do outro lado os que estão atônitos com tudo o que está acontecendo nas redes. É preciso regulamentar para coibir a violência e a leniência das Big Techs no trato de contas e grupos de extremistas. É preciso regulamentar para que a extrema-direita jogue no mesmo tabuleiro democrático dos demais vieses ideológicos. É preciso regulamentar porque em todo jogo, inclusive o democrático, há limites que uma vez transpostos, inviabilizam seu prosseguimento. Ou será que a extrema-direita é tão ruim que não se sustenta no argumento, precisando de fakenews e distopias para sobreviver? Ao que tudo indica, a extrema-direita precisa dessa terra sem regulação, pois é a através dela que ela difunde e infunde o medo. Um medo maior do que o natural e, porque não dizer, histórico receio, de ter extremistas no poder. Se sua mantença depender realmente das fakenews, fica provada sua impertinência. Neste caso, é preciso que ela volte para o ralo da História, de onde, ao que me parece, nunca deveria ter saído.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.