A Frente Parlamentar Evangélica e a batalha moral no Estado

A Frente Parlamentar Evangélica e a batalha moral no Estado

Conhecido popularmente como “Bancada Evangélica”, esse grupo integrado por Deputados Federais e Senadores evangélicos de diversas denominações e vertentes, vêm se consolidando e se fortalecendo ao longo desses anos, crescendo, se expandindo e disputando pautas morais no espaço público. Este bloco ganhou mais força ainda após a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro, o qual representou para a Frente Parlamentar Evangélica um forte aliado em relação à agenda defendida.

Porém, nas últimas eleições de 2022, a Frente Parlamentar Evangélica elegeu a menor representação nos últimos vinte anos, não conseguindo alcançar seu objetivo que era o de eleger 30% dos deputados evangélicos (porcentagem equivalente ao número de pessoas evangélicas no Brasil).

Ainda assim, mais da metade dos candidatos da Frente Parlamentar Evangélica conseguiu se reeleger, e em sua maioria apresentam posicionamentos extremamente conservadores sobre assuntos como direitos sexuais e reprodutivos, violência contra a mulher, concepção de família e questões relacionadas a gênero de um modo geral.

Um estudo realizado pelo Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea-https://www.cfemea.org.br/index.php/pt/?view=article&id=6028:congresso-feministas-mapeiam-o-conservadorismo&catid=563:artigos-do-cfemea-publicados-em-outros-portais) divulgado no início de 2023 buscou analisar o posicionamento individual de deputados federais e senadores eleitos através de suas redes sociais. Os resultados obtidos mostram que há uma profunda resistência às questões relacionadas aos direitos das mulheres, e essa resistência aumenta quando analisados os candidatos do Partido Liberal (partido do ex-presidente Bolsonaro), partido que apresentou grande ascensão nos resultados desta última eleição.

Os temas analisados foram: posicionamento sobre violência de gênero, família, aborto, violência sexual, entre outros. Em relação à violência contra a mulher, grande parte dos eleitos se mostra a favor da Lei Maria da Penha, porém, com um discurso voltado às medidas punitivas e não de caráter educacional, uma vez que não relacionam a violência contra a mulher a um problema estrutural que deve ser combatido em suas raízes culturais.

Esta concepção é muito problemática, pois pode refletir na forma de se produzir políticas públicas de violência contra a mulher, como por exemplo, propondo que o porte de armas seja um meio de combate à violência de gênero. Uma visão deturpada em relação a temas delicados como estes pode trazer consequências graves quando manifestados em políticas públicas.

Em relação aos outros temas, a grande maioria se posiciona de forma contrária ao aborto ou ao casamento de pessoas do mesmo sexo. Estes posicionamentos refletem a agenda moral que estes parlamentares evangélicos estão defendendo e qual é a concepção de mundo que estes atores religiosos estão disputando no espaço público.

Essas disputas não se resumem somente a um reflexo da doutrina religiosa, mas dizem respeito a como esses atores religiosos se articulam para defender sua agenda, como se organizam em prol de interesses e através de alianças.

Há um campo de batalha em questão, onde se travam disputas morais e ideológicas, este campo é o Estado. É nesta arena que cada grupo irá reivindicar suas pautas, suas concepções de direitos humanos, suas moralidades e posições sobre o que é melhor para todos.

Se até então o Estado era um local onde somente a igreja católica interagia, hoje é também palco para que evangélicos se posicionem. O Estado passa a ser reivindicado, uma vez que é lá que ocorrem os processos de legitimação. Isso cria novos processos de participação política, incluindo novos atores e seus mecanismos de defender aquilo que acreditam.

Cabe a nós estarmos atentos não em relação à pluralidade de ideias, crenças ou religião, mas a olhar se o que está sendo defendido pretende estabelecer uma manutenção desta pluralidade tão rica para a democracia, ou impor uma visão única de mundo, de configuração familiar e formas de ser e existir. Este é o verdadeiro desafio.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Manuela Löwenthal é Doutoranda em Ciências Sociais pela UNIFESP, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora  do projeto Temático "Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo", financiado pela FAPESP.  Atua também como Professora de Sociologia na Rede Estadual Paulista.