A presença de corpos indesejáveis no espaço público

A presença de corpos indesejáveis no espaço público

Na Espanha, a Lei de Ordem Pública, Art. 23, de 1959, buscava eliminar do espaço público os corpos e as condutas indesejáveis. Essa lei seria o principal instrumento para a defesa da ordem heterossexual da sociedade franquista. Com ela, o espaço público poderia ser protegido da incômoda/indesejável presença de pessoas que não se enquadrassem nesses padrões. Essa proteção, obviamente, poderia ser mediante o uso da violência. Nada incomum se consideramos tempos de ditadura.

Contudo, essa cultura autoritária parece ainda permanecer em alguns traços na atualidade. Recentemente, foi publicada uma notícia pela Deutsche Welle Brasil sobre a masculidade tóxica. O texto traz dados de uma pesquisa que são realmente constrangedores. Um estudo da ONG Plan Internacional, entrevistando homens e mulheres entre 18 e 35 anos, menciona que 34% dos entrevistados se manifestaram a favor da violência ocasional contra as mulheres. Ou seja, apanhar de vez em quando é bom para aprender. Além disso, 48% se disseram incomodados quando pessoas expõem sua homossexualidade em público.

Posicionamentos dessa natureza me fazem lembrar do livro Jesus e John Wayne, de Kristin Du Mez. Ela considera que certa masculinidade foi sendo formada nos Estado Unidos com a ajuda de um cristianismo autoritário no qual o homem é o cabeça da família. Nessa lógica, a palavra de ordem deve partir do homem e deve ser incontestável. Estamos falando de uma masculinidade e de um cristianismo que não criticam o assassinato de indígenas ou a escravização de negros. Um certo autoritarismo abençoado por Deus.

Minha dúvida é: até que ponto podemos querer que a Bíblia seja o livro de regas para um ambiente democrático. Será que podemos transportar versículos que retratam uma sociedade teocêntrica, em um mundo que não conhecia o pleito por direitos humanos, para o ambiente democrático? Como fazer esse diálogo de forma respeitosa?

* Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


João Barros  é doutor em Filosofia (UNISINOS) e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR). É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Michel Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022), dentro do qual aborda o racismo de Estado. Atualmente atua no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina na UNILA.