Apocalipse no carnaval? Isso é só o começo…

Apocalipse no carnaval? Isso é só o começo…

Com recorrência temas da religião fazerem parte do carnaval. Não seria diferente este ano. No entanto, testemunhamos algo novo na folia baiana, porque um assunto muitíssimo específico das crenças evangélicas foi citado: o arrebatamento. E na mesma “macetada”, o apocalipse apareceu. Dificilmente alguém que tenha acesso à internet não saberá do que estou falando: macetar, apocalipse e pequena Eva. Mas, deixe-me contextualizar.

No Carnaval de Salvador, Baby do Brasil, no bloco comandado por Ivete Sangalo, disse que “nós entramos no apocalipse” e que “o arrebatamento tem tudo para acontecer em 5 ou 10 anos”. Sem entender nada, a cantora baiana, como em uma batalha, a fim de proteger a sua festa de qualquer força negativa — essa era a única ferramenta teológica que Ivete tinha, uma vez que frequentou a Escola Bíblica Dominical — disse que iria macetar o apocalipse. E daí para frente vamos testemunhar um diálogo interessantíssimo entre a evangélica Baby e sua amiga religiosa. Interessante foram os demais artistas que entraram na discussão teológica. Igor Kannario, em defesa da Baby, reafirmou que “Jesus está voltando”. Já Márcio Victor, do Psirico, inflamado pela discussão, recomendou à pastora que tomasse remédio, insinuando que ela teria problemas psiquiátricos. Antes de qualquer coisa, para olharmos esses termos com mais acuracidade é importante descrevê-los para além do senso comum.

“Apocalipse”, por exemplo, além de ser o título de algumas obras, é um gênero literário, um tipo de texto comum no Judaísmo antigo e Cristianismo das origens. O mais conhecido apocalipse é o Apocalipse de João, mas há outros ainda pouco conhecidos. A palavra apocalipse significa “revelação”, e essa forma de literatura descreve a visão de um profeta sobre o mudo celestial e faz críticas ao mundo corrompido, que para o visionário será substituído pelo reino final de Deus. O termo arrebatamento, por sua vez, refere-se a expectativa de que Jesus, no fim dos tempos,depois de um grande período de tribulação, raptará para o céu seus seguidores, num arrebatamento misterioso.

A maioria dos evangélicos lê o livro de Apocalipse de maneira literalista, em
perspectiva futurista. Filmes como “Deixados para trás”, ajudou na popularização dessa hermenêutica. Por outro lado, é comum usarem o termo “apocalipse” para as expectativas de fim do mundo, destruição final, como se a palavra significasse um estado das coisas ou um tempo da história (o apocalipse) e não um tipo de linguagem ou obra literária. Há os que usam as imagens do Apocalipse como referências a eventos e personagens históricos. Apocalipse 13, talvez, seja o mais lembrado: a besta e sua marca (666).

No meio dessa discussão toda, percebemos que crenças escatológicas populares das igrejas, muitas delas periféricas, pipocam na esfera pública. Esse é retrato do Brasil em curso, não somente do carnaval, mas do país profundo. Quero ver quem vai macetar, daqui a pouco, as discussões sobre perder ou não a salvação, o debate a respeito do inferno literal ou imortalidade condicional, amilenismo ou pós-milenismo etc. É só o começo. Em breve, essa coisas estarão em debates na TV aberta ou em outros trios elétricos. Os evangélicos são inevitáveis! Melhor aceitar e entender para dialogar, ou não ficará pedra sobre pedra das maceradas.

Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Kenner Terra é doutor em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Pastor da Igreja Batista Betânia, RJ, e Coordenador do Curso de Teologia da Universidade Celso Lisboa. Membro da Associação Brasileira de Interpretação Bíblica (ABIB) e da Rede Latino-americana de Estudos Pentecostais (RELEP). Acompanhe o Kenner no YouTube, Twitter e no Instagram.