As desonestidades intelectuais mais cometidas pelos doutores da lei no meio evangélico - II

As desonestidades intelectuais mais cometidas pelos doutores da lei no meio evangélico - II

Prossigo com o intento de evidenciar a desonestidade intelectual que grassa o meio evangélico e que, pasmem, tem sua origem justamente naqueles que se tornaram referências de preparo e de intelectualidade. Se na semana anterior abordamos a conjugação de miopia ideológica com o desconhecimento histórico para falar que a chamada teologia liberal não é a culpada pelo fenômeno pós-cristão na Europa, nesta vamos abordar a infundada acusação de que a polarização do país seria culpa da esquerda.

Que tal um breve percurso? No Golpe de 64, quem polarizou a partir de uma radicalização foi a direita, que encerrou todos os contrários ao Regime mais faminto que tivemos, sob a classificação de subversivos, quando não de terroristas. Um golpe que deslegitimou uma nação que clamava por equidade social e que via com bons olhos os avanços propostos pelas reformas de base propostas pelo governo João Goulart.

Com a abertura política, vimos o surgimento do PT e do PDT. Lembro da fidalguia com que, por exemplo, o professor e presbiteriano Lysâneas Maciel, então candidato ao governo pelo PT, se portava nos debates. Igualmente lembro bem dos debates na corrida presidencial de 1989, com Paulo Maluf, Leonel Brizola, Lula, Ronaldo Caiado, Mário Covas, Fernando Collor de Mello, entre outros. Posições antagônicas; troca de farpas; mas jamais o trato do outro como inimigo. As águias da política mostravam como desviar de perguntas embaraçosas. Havia divergência, ataques, porém sem guerra, sem o clima beligerante.

A polarização, por definição, só pode acontecer a partir de um polo e de alguém que está polarizado. É certo que o PT tenha na sua composição correntes radicais; entretanto, o PT do espaço público nunca foi radical. Sua ala moderada é que mantém o controle do partido há décadas, dando-lhe feições que cada vez mais se aproximam do que seria uma socialdemocracia.

Não por outra razão, contra seu rival histórico, o PSDB, o PT sempre teve uma postura adversária, de contrariedade, de oposição, mas nunca de polarização. O PT não tratou FHC como seu inimigo, no que concordam 10 entre 10 jornalistas que cobrem a política nacional.

Então, da onde vem essa polarização?

Penso que há dois atores nesse processo. O primeiro, é um velho conhecido. O segundo, o ex-presidente e sua trupe.

O velho conhecido, mas agora com novas roupagens, é o capitalismo internacional, especialmente os interesses estadunidenses na América Latina. Sua nova roupagem encontra o esplendor nas chamadas “big techs” e seus intencionalmente programados algoritmos. Não há qualquer dúvida razoável que se oponha ao fato de que tais empresas trabalham para radicalizar as pessoas, ao passo que aumentam seus lucros. O livro Engenheiros do Caos, bem como o relatório do GT Ódio e Extremismos do Ministério dos Direitos Humanos, deixam claro a participação ativa de tais empresas. Se não bastasse isso, temos ainda a forte campanha delas contra a aprovação do PL 2630/2020 que visa regulamentar a atuação deste faroeste cibernético que são as redes sociais.

O novo-velho personagem é o ex-presidente e seu séquito. Extremista desde quando era militar, Bolsonaro incandesceu este país com sua verborragia de coloração odienta. Nele encontramos a celebração do que é mais tosco e repugnante. Seu eficiente uso das redes sociais é que o catapultou a presidência, ao custo de milhares de relações rompidas e de diálogos que foram simplesmente inviabilizados. O fato novo, então, atende por Bolsonaro.

Portanto, não cabe incutir ao PT, com todos os seus problemas e virtudes, a responsabilidade pelo extremismo neste país. Extremismo é coisa de extremista.

Nem Lula, nem Gleisi, nem Benedita, nem Padilha, nem Zeca Dirceu, possuem qualquer cacoete para o extremismo. São defensores da democracia, motivo pelo qual em torno de Lula foi celebrada uma Frente Ampla pela Democracia. O radicalismo tem nome e sobrenome e atende pelo nome do falso messias que nos presidiu até 31/12/2022.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas