As igrejas evangélicas e a promoção vital dos laços sociais

No livro O crescimento do cristianismo (1996) o sociólogo americano Rodney Stark narra a história da expansão do cristianismo durante o período das grandes epidemias de varíola e sarampo que varreram o Império Romano. Para o sociólogo, naquele contexto de desestruturação social o cristianismo, por meio do trabalho missionário, desempenhou um papel fundamental no estabelecimento e fortalecimento dos laços sociais. É difícil não estabelecermos alguns paralelos com o lugar social das igrejas evangélicas no Brasil de hoje.

Atualmente elas se organizam por meio de dinâmicas bastante complexas a partir das quais se desenvolvem relações humanas no interior de uma denominação ou entre diferentes denominações, relações essas caracterizadas pelo cultivo de uma linguagem comum, responsável pela manutenção de um espírito de pertencimento. A respeito dos vínculos sociais favorecidos pela atuação das igrejas, gostaria de destacar, nesta ordem, três elementos: o associativismo, o trabalho terapêutico e a entrada da política partidária no espaço dos templos.

Segundo um ponto de vista sociológico, um aspecto interessante observado nessas relações está no seu traço associativo. Enquanto grande parte das associações existentes na sociedade brasileira carrega um caráter de obrigatoriedade, o que se nota, por exemplo, na associação de pais e mestres ou nas associações de condomínio, nas igrejas se verifica um tipo de associação pelo coração, isto é, voltada para o interesse de conservação dos laços afetivos entre os fiéis e entre eles e seu entorno, não para a necessidade de se cumprir um dever ou exigência feita pela organização social.

A respeito disso é interessante observar como nas igrejas se criou um know-how muito forte assentado na compreensão de que o associativismo entre os indivíduos pode levá-los a concretizarem de seus objetivos. Exemplos da cultura associativa das igrejas evangélicas podem ser percebidos nas ações de empreendedorismo. Recordo agora do caso muito inspirador de um rapaz, ex-dependente químico, que aceitou meu convite para integrar a nossa congregação e que a partir disso promoveu uma verdadeira transformação ao assumir uma postura empreendedora, disseminando entre os fiéis a mensagem de que o cuidado com o templo é uma responsabilidade coletiva. O resultado foi o surgimento de mutirões de limpeza e de campanhas para arrecadação de recursos para a igreja. Quando penso em casos como esse, fico me perguntando em quais espaços da sociedade brasileira as pessoas podem se reunir para cozinhar e comer juntas, como acontece numa iniciativa voltada paro o preparo coletivo e venda de uma feijoada ou de algum outro prato para a comunidade?

Relações como essas, que nos remetem àquelas mais arcaicas observadas no mundo rural, desfizeram-se em função da organização social das cidades. É verdade que podemos encontrar algo próximo dessas formas de sociabilidade nos festejos juninos. Mas nesses casos, e principalmente nos espaços urbanos, tais manifestações já se encontram desfeitas de muitas de suas características originais. Portanto, o empreendedorismo observado na ação de muitos evangélicos tem por consequência o cultivo de uma sociabilidade horizontal decisiva para fortalecimento dos laços afetivos entre os membros da igreja.

Mas não é somente por meio desse traço associativo que as igrejas evangélicas atuam no fortalecimento desses laços. Um outro aspecto derivado da atuação das igrejas evangélicas elucida o papel de comunidade terapêutica desempenhado por elas. Nesse sentido, a igreja funcionaria como um grupo de apoio mútuo e de solidariedade, algo muito presente nos chamados cultos de libertação promovidos especialmente por igrejas pentecostais. Não é exagero afirmar que essa função terapêutica das igrejas é um aspecto crucial para o crescimento da religião evangélica no Brasil. Uso o termo terapêutico num sentido amplo que compreenderia desde o suporte para as pessoas endividadas aprenderem a se reorganizar até o apoio socioemocional  e espiritual para lidar com situações traumáticas envolvendo abuso sexual, violência doméstica, divórcio, dependência química dentre outras.

Outro meio pelo qual as igrejas evangélicas têm sido capazes de fortalecer os laços sociais entre os membros de uma comunidade aponta para um dado mais recente, a saber, a política partidária que adentrou os templos. A ação das igrejas como célula política, no meu entender, participa do fortalecimento dos laços sociais na medida em que está atrelada a pautas como a defesa da família. Grande parte das pautas mais frequentes nas discussões ocorridas nessas células, a condenação do uso de drogas, por exemplo, também adquire esse sentido de valorização dos laços, já que a ideia de uma possível liberação das drogas tende a ser lida como uma ameaça ao rompimento dos vínculos almejados, além de fator de desestruturação da família.

Por fim, a força e riqueza das igrejas evangélicas na sociedade brasileira reside na sua capacidade de associar pessoas num tempo em que as associações livres entre iguais e diferentes tornaram-se escassas. Por outro lado, o modelo “igreja” providencia uma estrutura mínima para que interações e relações sociais possam se desenvolver dentro dessas comunidades e que seus integrantes possam construir novas estratégias para inserção na sociedade brasileira.