As igrejas que semeiam o medo da África em nós

As igrejas que semeiam o medo da África em nós

Eu fui criado para ter medo de tudo o que fosse ligado à religião africana. Eu cresci escutando pastores pentecostais dizendo que eram ex-bruxos, que frequentaram o inferno, que eram caboclos, então, desde cedo fui ensinado a ter medo das tradições religiosas de matriz africana.
Quando falo medo, eu quero dizer um medo congelante. Lembro-me de um episódio, ainda criança. Na cidade onde eu morava havia uma loja de produtos religiosos para espíritas, candomblecistas e umbandistas. Um dia, quando eu me dei conta de que estava na porta dessa loja, sai correndo tão apavorado que me machuquei.
Quando eu vejo notícias como a daquela mulher que escreveu passagens bíblicas num livro infantil sobre cultura e religião negras, minhas memórias das lições de medo retornam e eu sinto uma tristeza muito grande. Acredito em Jesus e no amor de Cristo que vai contra qualquer estigmatização e perseguição do outro.
É um erro tomarmos a conduta dessa mulher como sendo uma demonstração de como pensam os evangélicos de modo geral. Não é. Existe, na verdade, um segmento evangélico, sobretudo pentecostal e neopentecostal, que construiu uma narrativa de depreciação das religiões de matriz africana, possivelmente porque viam nelas uma expressão de fé presente na vida das pessoas mais pobres, aquelas que são alvo das ações missionárias.
Não creio que o problema esteja na conduta da mulher soteropolitana. No fundo, ela apenas demonstrou ter incorporado a narrativa que muitas lideranças de igrejas neopentecostais vêm reiterando há décadas.
O maior problema é justamente a manutenção dessas narrativas por líderes e igrejas. Se é necessário apontar os responsáveis por espalhar intolerância religiosa e racismo, os pastores que ensinam o medo, esses sim mereceriam estar em evidência pelas críticas necessárias à sua conduta.

* Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Miguel Souza