Brasil no topo do ranking de países que acreditam em Deus

Brasil no topo do ranking de países que acreditam em Deus

Na última semana, foi publicada a pesquisa “Global Religion 2023” realizada pela Ipsos na qual trouxe o dado de que o Brasil está entre os países que mais se acredita em Deus.

Muito se foi falado sobre o assunto, inclusive a própria Igreja Universal do Reino de Deus publicou um artigo problematizando este dado e explicando que “acreditar em Deus é diferente de servir a ele”.

Segundo a pesquisa feita pela Ipsos, o Brasil ficou 28 pontos percentuais acima da média na crença em Deus, que foi de 61%. Cerca de 70% dos brasileiros disseram que acreditam em Deus como descrito em escrituras religiosas, como a Bíblia, o Alcorão, a Torá, entre outros, e 19% acreditam em uma força superior, mas não em Deus como descrito em textos religiosos.

Porém, o que fica evidente nesta pesquisa é a intensa religiosidade presente na identidade nacional, que vai muito além de frequentar uma igreja, uma vez que 89% dos entrevistados afirmaram crer em Deus, mas somente 76% seguem alguma religião.

Esta intensa religiosidade brasileira está diretamente atrelada à formação histórica da identidade nacional do país e da presença do catolicismo no território nacional.

Há 500 anos as religiões incidem diretamente na formação identitária do país de diversas formas. O catolicismo foi a religião oficial até 1890, porém tantas outras permeiam tal identidade. Por isso, a forma com que as religiões se manifestam no Brasil é intensamente sincrética.

Se por muito tempo o Brasil foi um país oficialmente católico, e mesmo após a separação entre o Estado e a Igreja o catolicismo permaneceu forte, hoje vemos uma intensa mudança neste cenário: embora o país permaneça majoritariamente cristão, atualmente temos um deslocamento de fiéis católicos para fiéis evangélicos.

Embora o censo do IBGE ainda não tenha sido divulgado, estima-se que mais da metade da população se declara católica, e em média 30% se declara evangélica, sendo por volta dos 10% pessoas que se afirmam sem religião.

O motivo para este deslocamento é bastante estudado entre os pesquisadores da área (Trânsito Religioso no Brasil, Almeida e Montero), e muito se fala sobre como a mística evangélica é potente e carrega bastante performance, produzindo acolhimento e uma rede de afeto, mas também um conjunto de serviços que contribuem para a inserção social dos frequentadores, como por exemplo cursos ligados à algum tipo de formação profissional ou técnica, ou mesmo serviços sociais.

Os evangélicos não só cresceram como se espalharam por todas as esferas sociais. A presença evangélica se tornou evidente em todos os espaços: no cenário urbano, na mídia, na cultura, e principalmente na política partidária.

Esta presença muito se dá pela forte capacidade de capilaridade, presença territorial, poder de organização de forma autônoma, entre outros fatores que resultaram na expansão em diversos espaços, como em Conselhos Tutelares e no Congresso Nacional.

E embora o segmento evangélico seja um segmento que cresce a olhos vistos no Brasil, ainda assim não significa a maioria da população. Há muitas previsões e especulações em torno da possibilidade de que o Brasil se torne majoritariamente evangélicos em algumas décadas, porém, não há como afirmar este fato de forma concreta, uma vez que há uma grande mobilidade religiosa no Brasil, e os fatores não são algo que se pode mensurar ou prever de forma exata. Além disso, o segmento evangélico é extremamente heterogêneo e composto por inúmeras denominações, portanto, não há como categorizar como sendo um bloco uniforme.

Tal crescimento expressa um determinado pluralismo, na qual rompe com a hegemonia católica que por muito tempo foi dominante no Brasil. O que é preocupante não é a expansão evangélica em si, mas a falta de outras religiões nestes espaços de poder, assim como a intolerância contra religiões de matriz africana.

As religiões fazem parte da mística da população, estão em todas as esferas e integram as crenças e visões de mundo de um povo.

Há uma falsa dicotomia entre o espaço público e o espaço privado. Porém, esta separação é impossível, uma vez que a religião é um fenômeno humano que se manifesta publicamente desde os primórdios das sociedades, portanto a religião está intrínseca na mais diversas expressões humanas, e vai muito além da liturgia ou do momento do culto.

Se por um lado vemos o crescimento da religião na defesa de valores conservadores e anti democráticos, por outro, é necessário também considerar a importante contribuição de atores religiosos no avanço de debates e pautas democráticas no Brasil.

Se o Brasil é um país extremamente religioso e plural, cabe pensarmos em alternativas para que este pluralismo produza formas de diálogo, reconhecimento das diferenças e principalmente a tolerância, tendo como principal valor a democracia do país.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Manuela Löwenthalé Doutoranda em Ciências Sociais pela UNIFESP, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora  do projeto Temático "Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo", financiado pela FAPESP.  Atua também como Professora de Sociologia na Rede Estadual Paulista.