Como analisar os dados sobre religião no Censo de 2022

Como analisar os dados sobre religião no Censo de 2022

Em breve os números sobre o perfil religioso dos brasileiros será divulgado pelo IBGE. O Brasil, ao contrário de muitos outros países, é tremendamente consistente na manutenção da pergunta sobre religião. Desde o Censo de 1872 essa pergunta estava lá. Embora os dados oficiais ainda não tenham sido divulgados, já podemos antever algumas das principais perguntas que faremos a eles. Antecipo quatro tópicos que dominarão

  1. A principal novidade deste Censo será a possibilidade de cruzar os dados relativos à religião dos brasileiros e o georeferencimento dos templos religiosos no país. Essa é a primeira vez que esse recurso poderá ser explorado, abrindo possibilidades como, por exemplo, testar hipóteses sobre a concentração de espaços religiosos em uma determinada região e um maior número de pessoas identificadas com tal. Por exemplo, em um bairro com grande número de igrejas evangélicas significa que naquela região há maior concentração de pessoas evangélicas? Por mais contrasensual que isso possa parecer, o aumento no número de templos não necessariamente está associado ao aumento no número de fiéis. Esse é o caso da Igreja Católica, que nunca em toda sua história no Brasil teve tantas paróquias e sacerdotes, e também nunca teve tão poucos devotos.
  2. O ritmo do crescimento dos evangélicos no país será outro aspecto chave deste Censo. Muitas perguntas poderão ser respondidas a partir dos dados da nova pesquisa: em quantas capitais os evangélicos já são maioria? A velocidade de crescimento de 10% a cada década, padrão que se repetiu nos últimos 3 Censos, se manterá, intensificará ou retrocederá? A identidade denominacional predominará ou haverá ainda maior crescimento da identificação mais ampla de “evangélico”? Como ficará a distribuição etária dos evangélicos e o que isso nos dirá sobre a capacidade de transmissão intrafamiliar da identidade religiosa?
  3. Desde a década de 1940 um dos grupos “religiosos” que mais cresce proporcionalmente no país é o dos sem-religião. São sujeitos que não se identificam com nenhuma instituição, mas se afirmam muitas vezes espiritualizados. Ou seja, embora nessa categoria caiba ateus e agnósticos, essa não é a maior fatia deste grupo. O crescimento dessa identidade pode ter desacelerado com a mudança da pirâmide etária dos brasileiros, que está cada vez mais velha. Os jovens que se identificaram nos Censos anteriores como sem-religião permanecerão com essa postura mesmo com o passar dos anos?
  4. Considerando a maior visibilidade e legitimidade pública das religiões de matriz africana, esse grupo, que no último Censo compreendeu apenas 0,3% da população, aumentará sua representatividade? A questão é chave já que sabidamente essa parcela é subrepresentada no Censo por conta vergonha, efeitos da intolerância religiosa e estrutural invisibilidade dessas religiões.5) O declínio proporcional de católicos no paísnãoénovidade alguma. Pelo contrário, desde o segundo Censo realizado no país, a proporção de católicos diminui. O catolicismo sempre foi uma religião cuja identificação não está relacionada à prática cotidiana nos espaços institucionais e com alta taxa de transmissão intergeracional. Ou seja, católicos podem não ir à missa, continuar se identificando como tal e transmitir sua identidade religiosa aos filhos. No Censo de 2010, contudo, esse padrão mudou, já que pela primeira vez não apenas a proporção de católicos na população caiu, como também o número absoluto deles. Isso significa que numericamente mais pessoas deixaram de ser católicas do que novos católicos vieram ao mundo seja por nascimentos ou por conversão. Será importante acompanhar a manutenção desse declínio numérico porque ele dirá sobre a velocidade da queda proporcional.

Todos esses resultados virão acompanhados de muito debate sobre os efeitos dos problemas do Censo para o seu resultado: atraso para começar, demora na coleta de dados, pandemia, recusa de resposta aos recenseadores.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Rodrigo Toniol é professor de Antropologia da UFRJ. Membro da Academia Brasileira de Ciências. Ele pode ser contatado pelo Currículo Lattes ou pelo email rodrigo.toniol@gmail.com