Demonstrações públicas de fé combatem exclusão social

Demonstrações públicas de fé combatem exclusão social

Ao ver os vídeos que registram um coletivo de fiéis cantando louvores em shoppings e supermercados, a primeira impressão que vem é de contentamento. Escrevo, claro, como alguém que tem uma prática de fé no meio evangélico. Dessa posição, as imagens de um coro coletivo me proporcionam um prazer estético pelo qual eu me conecto com a minha fé.

Uma experiência dessa natureza, penso, talvez suceda a muitos brasileiros que passaram por um processo de conversão e entrada em uma igreja evangélica.

Esse sentimento pode ser compreendido quando levamos em consideração os contextos familiares, os quais, em alguns aspectos, podem ser hostis à decisão de um membro da família entrar para a igreja. Lembro de quando minha mãe começou a frequentar a igreja. Naquela época houve uma reação tão forte na família que a ruptura dos laços foi inevitável.

É provável que aqueles que não pertençam ao meio evangélico se incomodem com as demonstrações coletivas de fé em ambientes públicos por não compreender o seu significado de libertação pessoal. Para aqueles que enfrentaram dificuldades, por conta de sua opção de fé, no ambiente familiar, no espaço de trabalho ou em outros locais, ter a experiência de poder afirmar essa opção num shopping ou no mercado é muito significativo.

O filósofo Michel Foucault, ao abordar a questão da penitência no contexto medieval, faz menção a um ritual, uma expressão teatralizada em que o penitente reconhecia publicamente o seu estatuto. Claro está que as manifestações públicas de opção de fé que vemos circulando pela internet se dão em outros parâmetros, próprios do universo protestante pentecostal. Porém, no fundo, trata-se de um ritual semelhante pelo qual o sujeito se depara com a necessidade de reconhecer publicamente a grandeza de Deus e a pequenez dos homens frente ao divino.

Na Bíblia, em livros como Isaías e Habacuque, além de outros, está expresso a motivação para expressar a fé e louvar ao Senhor de maneira pública. Em Habacuque 2:42, lemos, “pois a terra inteira estará repleta do conhecimento da glória do Senhor, tal como as águas enchem o mar”. Já Isaías 42 menciona “que louvem todos os povos para além do mar e louvem ao Senhor”. Essas e outras passagens bíblicas costumam orientar os evangélicos em sua espontaneidade.

Em um dos vídeos que circulam na internet, a voz da pessoa que está gravando diz que essa terra não pertence a nenhum governo, mas ao Senhor. E diz ainda que enquanto cristãos devemos manifestar isso.

Tais ações não deixam de evocar uma dinâmica de domínio, de tomada de posse de um território, o que é, de certa forma, prejudicial se consideramos o contexto em que estamos inseridos (de muita intolerância). Entretanto, se pensarmos no perfil majoritário do evangélico pentecostal, que é negro, pobre e morador de periferia, esse quadro ganha outras tintas. Essas pessoas estão expostas, por sua condição social, a humilhações diversas cotidianamente. Para elas a demonstração pública de fé adquire um caráter libertador e a cidade deixa de ser somente o lugar onde se é explorado. Nesse espaço de constantes humilhações, o evangélico encontra o sagrado, isto é, um lugar dele. E isso lhe toca o coração e lhe traz esperança.

Vale pontuar, por fim, que demonstrações coletivas de fé em praças públicas, no transporte público e em outros locais da cidade são muito comuns no meio evangélico, sendo geralmente direcionadas para a atenção de grupos mais desfavorecidos, tais como pessoas em situação de rua. Se há um aspecto prejudicial de tais iniciativas, não podemos perder de vista seu aspecto mais positivo, qual seja: o sentimento de encontrar um lugar e também a preocupação com a vida de pessoas marginalizadas.

* Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


João Barros  é doutor em Filosofia (UNISINOS) e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR). É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Michel Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022), dentro do qual aborda o racismo de Estado. Atualmente atua no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina na UNILA.