Discursos de ódio ecoados por pastores são verdadeiras anomalias

A efervescência religiosa observada no Brasil nas últimas décadas, que se traduziu num crescimento vertiginoso das igrejas evangélicas, resultou em muitas anomalias. Na esteira desse crescimento, ocorreu também um distanciamento das discussões teológicas, das leituras profundas da bíblia, da genuína ética protestante e cristã. Um exemplo claro disso, de desprezo pela mensagem transmitida por Jesus e por seus apóstolos, pode ser observado na conduta do pastor (suposto pastor) Tupirani da Hora Lopes, fundador da Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo, localizada no Rio de Janeiro. Antes mesmo antes de ser preso por antissemitismo, em fevereiro do presente ano, essa figura já tinha algumas passagens pela polícia, todas motivadas por declarações de incitação ao ódio.

Gostaria de situar a postura desse cidadão à luz de uma passagem bíblica. No capítulo 5 do Evangelho de Mateus, entre os versículos 44 e 46, lemos a seguinte fala de Jesus: "( 44) Eu, porém, vos digo: amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; (45) Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. (46). Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo?"

De acordo com essa passagem, ser cristão é necessariamente ser apegado ao bem, isto é, fazer o bem, querer o bem do próximo, ser moral e ético, de modo a ser também um exemplo, não superficial ou hipócrita, mas sim um exemplo autêntico, de quem se move pelo interesse de semear e cultivar o bem. Por contraposição, a anuência de algumas igrejas e pastores às ações e aos discursos movidos pelo ódio não condiz com a ética da conduta evangélica. Os verdadeiros evangélicos não concordam com esse tipo de prática, pois sabem que a fala do Senhor Jesus se dirige para o acolhimento daqueles que sofrem, dos mais fracos, dos necessitados.

Então, quando no espaço da religião deparamo-nos com discursos que incitam o ódio e a violência, discursos os quais, lamentavelmente, não partem somente do suposto pastor Tupirani da Hora Lopes, mas também de outros pastores midiáticos, podemos afirmar com tranquilidade que tal postura acusa um distanciamento perigoso dos verdadeiros princípios do movimento evangélico. Quando esse pretenso pastor ora para que os juízes do STF morram, conforme se observa em vídeo que circulou pelas redes sociais, ele está assumindo uma postura incompatível com o verdadeiro cristianismo. Essa ideia, aliás, está expressa no terceiro capítulo da primeira epístola de São Pedro. No versículo 10, lemos: "porque quem quer amar a vida, e ver os dias bons, refreie a sua língua do mal, e os seus lábios não falem engano ".

Pela mesma razão, o verdadeiro movimento evangélico, orientado pelos princípios colocados primeiramente por Jesus e depois por Pedro, João, Paulo, Thiago, enfim, pelos apóstolos e por todos os pais da igreja, não deveria se omitir diante do assassinato do petista Marcelo Arruda por um policial penal bolsonarista, ocorrido no dia 9 deste mês. Ao optar pela omissão, a Igreja se torna conivente com crimes dessa natureza.

Sabemos que esse tipo de postura assumida por algumas igrejas atende à compreensão de que os evangélicos estão vivendo uma guerra santa. De forma alguma esta deveria ser a missão das Igrejas. Aliás, o envolvimento histórico das igrejas em conflitos e guerras foi, diga-se de passagem, um erro. Mesmo aquelas guerras que a Igreja encampou para defender a fé consistiram num erro grotesco, erro de princípios. Infelizmente, nos últimos tempos, algumas igrejas evangélicas tem ido na mesma direção e cometido os mesmos erros.

A missão da igreja deveria se dirigir para o acolhimento, o amor, a paz, a esperança, a salvação da alma. Salvação, aliás, compreendida aqui de forma ampla, contemplando o interesse pela salvação de todas as pessoas. Essa é a verdadeira missão da Igreja. Infelizmente, a realidade nos revela a ação de falsos pastores, falsos líderes que em nada se aproximam do verdadeiro evangelho, dos valores do Reino de Deus pregado pelo sangue de Cristo e depois transmitido pelos apóstolos.