Domingo é o dia do Senhor... e também do Bolsonaro

Domingo é o dia do Senhor... e também do Bolsonaro

Há cerca de três décadas atrás vivi uma experiência que retrataria a montanha russa que me esperaria no Ministério Pastoral. Em um domingo à tarde, fui jogar futebol de salão com a turma da igreja. Fiz um golaço, digno de Falcão, justamente em cima do maior craque da quadra. Uma pena não existir o Tiktok naquela época...

Cheguei em casa animado, que foi logo desfeito pelo semblante da minha mãe. Ao perguntar o porquê da visível contrariedade ela manifestou sua indignação pela transgressão ao dia do Senhor. Em minha defesa disse que era melhor estar entre os irmãos do que ligado na TV, em uma época que Gugu Liberato desafiava o horário com sua famosa banheira. E olha que o futebol era de crente-crente! Apitou parava; sem reclamação e sem entrada dura... coisa fina e rara de se ver.

O que estava introjetado em minha mãe era o conceito de que o Domingo era o dia do Senhor, uma visível adaptação do Shabath judaico, agora realocado para o domingo em virtude da ressurreição de Jesus ter se dado neste dia, segundo o texto escriturístico. Como “Dia do Senhor” o domingo deveria ser destinado, a partir da influência do puritanismo, à Igreja, à Família e ao descanso (nesta ordem). Não foi à toa que Voltaire, em uma de suas Cartas Inglesas, reclamou do efeito puritano no comércio londrino especialmente notado no fechamento dos Pubs aos domingos, impedindo-o de tomar o seu “goró”.

Gostando ou não, concordando ou não, essa noção de que o domingo é o dia do Senhor faz parte da grande maioria dos evangélicos no Brasil, de protestantes históricos a pentecostais. Por esta razão, não deixa de ser chocante saber que, desde a emergência do bolsonarismo, evangélicos de diferentes matizes largam suas igrejas, seus cultos, para participarem de comícios, motociatas, micaretas gospel, convocadas pelo Derrotado.

Parece que, para os evangélicos que também são fiéis ao Derrotado (o que seria uma excrescência insuportável para os primeiros cristãos), o domingo é dia do Senhor e do Bolsonaro também.

Curiosamente o “encapetado” Lula, quando convencido na Campanha Presidencial do movimento que deveria ser feito de aproximação com os evangélicos, tomou cuidado em marcar tais encontros fora dos dias de culto, inclusive dos grupos que são sabatistas.

No atual movimento evangélico identificado com a extrema-direita política, a Terra plana segue capotando.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pesquisador em Estágio de Pós-Doutorado pela UEMS (Bolsista CAPES); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Colunista do Observatório Evangélico; Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas; e A Noiva sob o Véu: Novos Olhares sobre a participação dos evangélicos nas eleições de 2022.