Doutrina da submissão feminina aproxima evangélicas de Bolsonaro

A situação das mulheres evangélicas ao longo do governo Bolsonaro não é tão simples de ser analisada, pois envolve ao mesmo tempo, de um lado, a cultura evangélica, e seus doutrinamentos, e de outro, uma figura controversa que se mostra dócil e encantada pela própria mulher, mas que é conhecida pelo uso de linguagens grosseiras e até violentas contra outras tantas mulheres.

As mulheres evangélicas mais críticas, as que colocam sob análise os doutrinamentos, principalmente a Doutrina da Submissão Feminina, as que não se permitem seduzir por imagens midiáticas de harmonia conjugal, sabem bem que uma pessoa que em momentos de espontaneidade e descontrole agride mulheres tão grosseiramente revela o que é e não o que diz ser.

A pergunta que fica é como algumas mulheres que se afirmam evangélicas piedosas dotadas de zelo religioso, como a primeira-dama Michelle Bolsonaro e a ex-ministra Damares Alves, compactuam com o comportamento misógino do presidente, tornando-se cúmplices morais nessa história a cada vez que o defendem. Nesse caso, percebe-se que a fé evangélica que elas afirmam é diferente daquela orientada pelo ensino amoroso de Jesus Cristo, mas sim pelos interesses e relações de poder. A situação se agrava quando parcela feminina da população evangélica do país segue, como ovelhas silenciosas, esse tipo de conduta e tenta justificar os fatos culpando a perseguição da mídia ou da esquerda, repetindo a nefasta frase “não foi isso que ele quis dizer!”.

Aqui é preciso entender e nunca subestimar a força da voz masculina nas igrejas que se impõe como cabeça, inclusive nos doutrinamentos, e como outorga divina. De acordo com a doutrina defendida por essas vozes, desobedecer aos homens é desobedecer a Deus. Outro ensino muito usado para a manipulação de grupos é o da obediência irrestrita às autoridades como ordenança bíblica, algo que nesse caso vai dos pastores locais ao presidente da República. Vale lembrar de passagem que esse ensino não se aplicou à presidenta Dilma Rousseff, o que, novamente, diz muito do poder da voz masculina.

Na prática, é esse poder que explica por que boa parte das mulheres evangélicas sofrem impedimentos diversos, tanto de estudo acadêmico como teológico. Essas “ovelhas silenciosas” seguem sem questionar. No âmbito da fé e da Igreja, elas são orientadas a pensar como seus homens-líderes, maridos, pastores, pais, e a agir, inclusive âmbito da política, como eles estabelecem. Dito de forma sucinta, a elas resta obedecer.

Sem dúvida, o único caminho de mudança para essas mulheres é a educação da fé, a libertação da falsa interpretação bíblica que exige essa submissão irrestrita das mulheres aos homens e dos cidadãos evangélicos aos governantes, o esclarecimento de que as mulheres são pessoas livres, que podem pensar com sua própria cabeça, fazer seus próprios julgamentos e tomar suas próprias decisões, inclusive em relação aos maridos e pastores. Uma educação do tipo possibilitaria às mulheres evangélicas aprender, em suma, que o respeito aos governantes deveria ser motivado pelo bem que porventura eles proporcionassem a todos e a todas, e, quando isso não acontece resta, em nome da justiça do evangelho, a resistência e a denúncia.