E onde estão os narco-católicos?

E onde estão os narco-católicos?

Você já ouviu falar no Complexo de Israel? É um conjunto de favelas na Zona Norte do Rio de Janeiro (RJ) dominado por traficantes que se identificam como evangélicos. É fácil encontrar vídeos no YouTube onde traficantes fazem ronda nas favelas do Complexo de Israel com fuzis e ao som de músicas evangélicas. É algo tão surreal que parece até mentira, mas infelizmente não é.

Inclusive, há um interessante livro sobre o assunto escrito pela teóloga e pastora Viviane Costa, intitulado: "Traficantes Evangélicos" (GodBooks e Thomas Nelson Brasil), lançado em 2023. O livro descreve as origens e as características do fenômeno. Outros acadêmicos também trabalham o assunto, como o jornalista Bruno Paes Manso no livro "A Fé e o Fuzil" (Todavia, 2023). Eu também abordei o assunto no livro "Quem tem medo dos evangélicos?" (Editora Mundo Cristão), de 2022.

Mas alguns tratam o fenômeno pelo nome de “narcopentecostalismo”. Eu particularmente repudio o rótulo. Embora o fenômeno dos traficantes evangélicos exista e seja trágico, o rótulo é injusto com os pentecostais. Por que digo isso?

Em primeiro lugar, o fenômeno do bandido religioso sempre existiu. Basta ver ainda hoje traficantes mexicanos, colombianos e membros de máfias italianas que são católicos fervorosos.

No México, por exemplo, alguns traficantes veneram figuras religiosas como Santa Muerte, uma deidade popular que não é oficialmente reconhecida pela Igreja Católica. Santa Muerte é frequentemente invocada para proteção contra o perigo e a justiça, refletindo a realidade perigosa e muitas vezes violenta do tráfico de drogas. Além disso, o culto a Jesús Malverde, conhecido como o “santo padroeiro dos narcotraficantes”, é outra manifestação da religiosidade dentro do contexto do crime organizado no México. Malverde é uma figura histórica que se transformou em uma lenda, e muitos o consideram um Robin Hood que protege os pobres e aqueles envolvidos no tráfico de drogas.

Na Itália, a relação entre a máfia, particularmente a Cosa Nostra da Sicília, e a Igreja Católica tem uma longa história. Membros da máfia muitas vezes participam de rituais religiosos e festas, e em algumas áreas, a máfia tem infiltrado instituições religiosas. A máfia também adota uma retórica que enfatiza valores tradicionais, incluindo a lealdade familiar e o respeito pela autoridade, valores que ecoam os ensinamentos católicos. Contudo, a Igreja Católica tem se posicionado firmemente contra a máfia, excomungando publicamente membros da máfia e denunciando suas atividades criminosas.

Ninguém fala em narcocatolicismo - e realmente seria um absurdo. O uso específico do termo "narcopentecostalismo" para descrever criminosos que se identificam como evangélicos pentecostais acaba por estigmatizar uma comunidade inteira de fiéis por causa das ações de uma minoria.

Além disso, os criminosos abraçam o pentecostalismo porque é hoje o fenômeno religioso majoritário nas favelas. Essa predominância não é coincidência; as igrejas pentecostais têm sido notáveis por sua atuação nas áreas mais carentes, oferecendo não só uma mensagem de fé, mas também apoio social e emocional às comunidades que muitas vezes são negligenciadas pelo Estado e por outras instituições. Isso cria um ambiente onde o pentecostalismo não apenas floresce, mas também se torna um pilar central da vida comunitária.

Como pentecostais, devemos rejeitar e repudiar o uso de nossa linguagem de fé pelo crime. Simultaneamente, é importante rejeitar termos que mais complicam do que explicam o fenômeno. Autoridades judiciárias, a imprensa e os acadêmicos devem exercer maior cuidado com nomenclaturas que acabam estigmatizando uma parte da população pobre das favelas.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Gutierres Fernandes Siqueira é Escritor, graduado em Comunicação Social pela Faculdade Paulus (FAPCOM) e pós-graduado em Mercado de Capitais pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós-graduando em Interpretação Bíblica pela Faculdade Batista do Paraná. É autor dos livros “Revestidos de poder” (CPAD), “O Espírito e a Palavra” (CPAD) e “Reino dividido” (GodBooks) é co-autor do livro “Autoridade Bíblica e Experiência no Espírito” (Thomas Nelson Brasil). Membro da Assembleia de Deus (Ministério do Belém) em São Paulo, SP.