Eliziane colocou Feliciano em curto circuito: “Fariseu hipócrita”

Eliziane colocou Feliciano em curto circuito: “Fariseu hipócrita”

"Sabe o que Jesus falou para os escribas e fariseus que usavam a Bíblia [como o senhor usa]?”,  perguntou a senadora Eliziane Gama ao deputado Marcos Feliciano. "Jesus disse: '- Ai de vocês, mestres da lei, fariseus hipócritas! Vocês se assemelham a sepulcros caiados, belos por fora, mas internamente repletos de ossos e de toda sorte de impureza.”

A senadora, que é relatora da CPMI do 8 de janeiro, referia-se ao que aconteceu durante um encontro a portas fechadas, em que Feliciano teria gritado e batido na mesa ao se dirigir a Eliziane.

Clipes com a fala de Eliziane viralizaram em grupos de WhatsApp evangélicos. “A maior parte dos participantes desses grupos ficou em silêncio,” conta o pastor Alexandre Gonçalves, que é pentecostal e ligado ao PDT. "Os que se manifestaram, disseram que a senadora se expressou de forma respeitosa e que era bom que Feliciano escutasse.”

Feliciano não é uma unanimidade entre evangélicos. Ele começou como um pregador carismático que viajava o país, mas muitos percebem, hoje, que o envolvimento dele com a política o contaminou de forma negativa. “Ele tem sido muito extremista, trata mal as mulheres, e a senadora colocou para fora o que muita gente queria falar: que é hora de a gente começar a distinguir entre alguns evangélicos no Congresso,” analisa o pastor de uma igreja Assembleia de Deus na periferia de Brasília, visitada pela senadora.

Feliciano se projetou na política em 2013 sob o ataque de jornais. "A imprensa imaginou tê-lo derrotado ao expor que um pastor(!) poderia ficar à frente da Comissão dos Direitos Humanos no Congresso,” relata um jornalista que nasceu na Assembleia de Deus e pede para não ser identificado. "Essa postura mostrou certo nojo da elite de prestígio em relação aos evangélicos… Feliciano ganhou força e legitimidade entre evangélicos por ser visto como perseguido, tal como José foi perseguido no Egito.”

Feliciano domina o púlpito como poucos, mas não foi isso que aconteceu com ele desta vez. O mesmo jornalista conclui: "Talvez a gente esteja vendo um ponto de virada. Eliziane mostra agora a evangélicos que ele é hipócrita.”

“O que a senadora falou não tem nada de esquerda,” explica Andressa Oliveira, que é evangélica e ativista de direitos humanos. “Foi uma conversa de crente para crente, com linguajar assembleiano, e não com a fala do crente da classe média progressista. Ela se comunicou com a base do Feliciano.”

Crentes comuns também reprovaram a fala de Eliziane. "Eu só acho que ela ridicularizou a igreja,” cravou uma interlocutora, faxineira e assembleiana. "Ele não tem que gritar com ninguém, nem como homem, nem como parlamentar e muito menos como pastor. Ele está todo errado. Mas quando ela se defende acusando Feliciano enquanto pastor, ela bota os crentes numa situação difícil. Para quem não gosta de crente, é prato cheio.”

Mas observadores evangélicos do campo conservador reconhecem que Feliciano se prejudicou mais neste embate. "O deputado arrumou um problemão porque ele foi questionado no território dele, por uma pessoa contra quem não pode usar os argumentos e respostas que sempre utilizou,” explica um interlocutor próximo das principais lideranças evangélicas do país.

Outro evangélico, o pastor Guilherme de Carvalho, avaliou: “A reação dela não pareceu ideológica, não soa como alguém progressista. Ela demonstra entendimento e respeito à autoridade religiosa. E isso muda o jogo, porque ela fala como o cristão comum confrontando um pastor que faz alguma coisa errada,” conclui Guilherme, que fez parte da equipe comandada pela senadora Damares Alves no governo passado.

Mas este episódio marcante será esquecido logo. A menos que o governo atual entenda ser vantajoso fortalecer aliados que são evangélicos-raiz, que falam a língua e reconhecem o valor dos milhões de evangélicos pentecostais que, hoje, rejeitam a esquerda.


Juliano Spyer é Doutor em antropologia pela UCL, Juliano fez pesquisa de campo durante 18 meses em um bairro pobre na periferia de Salvador. Um dos resultados desse estudo é o livro Povo de Deus, quem são os evangélicos e por que eles importam (Geração 2020), finalista do Prêmio Jabuti em 2021. Ele escreve uma coluna semanal na Folha Online sobre cristianismo evangélico. Este Observatório é a maneira como ele leva adiante a tarefa de ampliar o conhecimento da sociedade sobre esse fenômeno. Siga-o no por este site, Twitter e/ou no Instagram