Entrevista: Bruno Paes Manso explora relação entre crime e religião em seu novo livro
O pesquisador Bruno Paes Manso, em seu novo livro “A fé e o fuzil: crime e religião no Brasil no século XXI”, explora a conexão entre crime, religião e transformação social nas periferias urbanas do Brasil contemporâneo.
Em uma entrevista com Juliano Spyer, diretor do Observatório Evangélico, o pesquisador fala sobre a sua obra mais recente:
1) Não pensei em um leitor específico ao escrever o livro. Como jornalista e pesquisador que testemunha a cena criminal e – por tabela – a religiosa há mais de 20 anos, achei que precisava compartilhar essa história que me parecia fundamental para compreender o Brasil urbano dos dias de hoje.
2) Recebi feedback dos evangélicos nas conversas que tivemos ao longo da apuração do livro, quando trocávamos ideias a respeito das leituras que tínhamos sobre o tema que eu pesquisava. Mas ainda não sei a repercussão entre eles, porque poucas pessoas leram antes da publicação. O livro só estará nas livrarias no dia 11 de setembro.
3) Religião e crime são mundos diferentes, apesar de conviverem há muitos anos. No começo dos anos 2000, passei a entrar em contato com bandidos que tinham se convertido – ex-traficantes, ex-matadores, ex-policiais exterminadores, etc. Muitos me ajudaram a entender a cena de violência em seus bairros e mantivemos contato desde então. Essa cena, contudo, se transformou. Em São Paulo, a mudança ocorreu principalmente a partir da profissionalização do crime, liderada pelo PCC, que regulou o mercado ilegal paulista, a ponto de se tornar um importante atacadista de drogas, com força no mercado internacional. Esse dinheiro passou a ser lavado e entrar na economia formal, ampliando a oportunidade para empreendedores de diversos ramos. O diálogo entre religião e crime, se antes eram antagônicos, se aproximou, a partir de uma visão em comum que valoriza a prosperidade e a capacidade de consumo como sinônimo de uma vida bem sucedida.
No caso do Rio, a situação é diversa. Existem os traficantes evangélicos do Complexo de Israel, retratados no livro de Viviane Costa. Eles usam a religião para tentar legitimar sua autoridade na esfera pública, algo reproduzido entre outras lideranças criminais do TCP e por grupos milicianos. A postura dessas lideranças revela, pelo exagero, um problema mais profundo que passou a afetar a política brasileira. Na luta pelo poder, em um mundo em que as antigas ideologias e os projetos de estado se fragilizaram, a religião passou a ser usada para legitimar autoridades que se apresentam como líderes de uma guerra espiritual. A violência e a ilegalidade podem até se justificar, desde feitas na defesa do bem, respaldas pelas leis divinas, conforme a interpretação de um pastor disposto a acirrar os ânimos nesta batalha.
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