Evangélicos e o STF

Evangélicos e o STF

Essa semana recebi mensagens com dois ofícios de Câmaras municipais do Estado do Mato Grosso. Ambas expressavam reprovação quanto à indicação do Ministro Flávio Dino ao Supremo Tribunal Federal. Estavam assinadas por vários vereadores. Em um dos ofícios consta, como uma das razões para a recusa, o fato de Flávio Dino ser suspeito de aproximação pessoal e política com o atual Presidente da República.

Algumas personalidades evangélicas também se mobilizaram para expressar sua reprovação ao nome de Flávio Dino para o STF. O Senador Magno Malta, em um programa da TV Câmara, afirmou que Flávio Dino é um comunista, trotskista, e que não sabe como será o futuro de sua neta em um regime comunista. Nikolas Ferreira, outro congressista evangélico que tem ganhado notoriedade, afirmou em um pronunciamento no plenário da Câmara dos Deputados que o Congresso não terá paz, pois Dino tem perfil ditatorial. A ex-primeira dama Michele Bolsonaro, em um evento do PL, também criticou a indicação, afirmando que Dino combate a família e os bons costumes. Não seria errado dizer que essas falas representam boa parte do público conservador de nosso país, dentro dos quais estão os evangélicos.

David Koyzis em Visões & ilusões políticas, dedica um capítulo ao conservadorismo. Segundo ele, a maioria dos cristãos são conservadores por algumas razões. Uma delas é a crença de que os ensinamentos da tradição cristã são verdadeiros. Então, versículos bíblicos como “quem não trabalha que não coma”, ou “Deus criou os seres humanos a sua imagem e semelhança, macho e fêmea os criou” são tidos como incontestáveis por aqueles que acreditam na inerrância da Bíblia.

Outro motivo para a maioria dos cristãos serem conservadores seria a confiança no legado cultural do Ocidente. Este legado teria grande utilidade social em seus ensinamentos éticos, proporcionando estabilidade ao longo do tempo e contribuindo para a manutenção da civilização ocidental. Esse mandato cultural presente em Gn 1.28 é reivindicado pelo conservadorismo constantemente, opondo-se a um elemento dinâmico e progressivo que possa provocar alterações significativas na sociedade ou na cultura.

Koysis ressalta mais um aspecto interessante nessa resistência do conservadorismo às grandes transformações: a conservação da tradição se opõe ao progresso, ou à reforma social e cultural, em grande medida motivada pelo medo. Para os conservadores, a possibilidade de revés no progresso é bem real. Os conservadores têm medo de que as mudanças afetem justamente o âmago de uma civilização que tem dado certo, mesmo que necessite de algumas modificações.   

Dito isso, não é de se estranhar falas como as relacionadas acima. Incitando o medo à mudança, políticos conservadores tentam combater figuras e pautas que dizem respeito justamente à expansão de direitos. Entendem que esses direitos violam as bases de uma tradição que nos trouxe até aqui e que, de alguma maneira, nos garantem um futuro seguro.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina. Contato: joao[ponto]barros@unila[ponto]edu[ponto]br .