Evangélicos na eleição Argentina - Entrevista com Pablo Séman

Evangélicos na eleição Argentina - Entrevista com Pablo Séman

No próximo dia 22 de outubro acontecem as eleições nacionais da Argentina, e o país decidirá seu novo presidente. As pesquisas indicam o candidato ultradireitista Javier Milei à frente, acompanhado pelo candidato peronista Sérgio Massa e a ex-ministra de segurança pública Patrícia Bullrich. O Observatório Evangélico conversou com o Sociólogo e Antropólogo Pablo Séman sobre a situação política e a relação dos evangélicos com os candidatos. Confira a entrevista abaixo:

1.Qual o impacto socioeconômico do crescimento evangélico no país?  a teologia da prosperidade tem algum efeito no sentido de impulsionar as camadas mais pobres a buscar uma condição de vida melhor?

R: É difícil quantificar o peso socioeconômico do crescimento evangélico. O que eu entendo que acontece é que as igrejas evangélicas, independente do tamanho, têm enraizamento local e fomentam lógicas de apoio mútuo, solidariedade, transferência de recursos dentro da igreja, habilitação para terapias, contenção social, etc. Tudo isso deve ter algum valor socioeconômico, mas isso ninguém tem quantificado. Quanto à Teologia da Prosperidade, eu vejo o seguinte: é importante distinguir entre a teologia da prosperidade oficial e aquela que é uma versão de senso comum da teologia da prosperidade. Ou seja, a idéia de que a graça divina é também econômica é uma explicitação a teologia da prosperidade faz de algo que já está presente na lógica evangélica, e que é parte do socorro quotidiano que fazem as igrejas evangélicas com os crentes. Então, não atribuiria um impulso tão importante à teologia da prosperidade tanto quanto os condicionamentos simbólicos da posição evangélica que levam a que o indivíduo adquira uma certa autonomia e um certo impulso de busca por bem estar econômico. Não são exatamente a mesma coisa. Às vezes as duas coisas se combinam, mas acho que é importante não considerar a teologia da prosperidade um discurso perfeito, provocante, criador de uma nova subjetividade. Tudo isso que cria uma subjetividade específica já está presente na lógica evangélica pentecostal renovada, independentemente da teologia da prosperidade.

2. Qual tem sido o posicionamento político predominante entre os evangélicos argentinos? Existe alguma sinalização de que evangélicos poderiam ajudar a eleger Milei?

R: Não há forma de estabelecer um posicionamento político predominante entre as igrejas evangélicas. Elas nunca se expressem como uma unidade. Mas eu diria que, na Argentina, 70% da população votou por opções de centro direita e de direita. E, nesses partidos políticos, tem muitas pessoas que têm tentado seduzir os evangélicos e tem aberto instâncias de colaboração muito mais fortes que as que o peronismo estabeleceu. Então, provavelmente, houve uma inclinação da votação do conjunto dos evangélicos em favor das opções de centro direita e direita. Mas essa inclinação não deve ter sido tão forte assim, porque também tem pastores que estão vinculados ao peronismo, que no espaço eleitoral da Argentina, pode ser visto como de esquerda, de centro esquerda, ou de centro. Me parece que é mais importante atestar que os evangélicos, em geral, mantêm a posição de votar como o resto dos argentinos. Pode ter uma inclinação? Pode ter. Talvez os argentinos tenham votado 70% na centro direita e na direita e os evangélicos tenham votado 74% nessas posições. Mas a diferença nessa proporção se explica mais pelas diferenças no diálogo das forças políticas com os evangélicos. O peronismo,  sobretudo em algumas das suas expressões à esquerda, vem permanentemente exercendo uma política de policiamento sobre os evangélicos. Então, porque os evangélicos se sentiriam convocados a votar por uma opção de esquerda que tem fracassado no controle de inflação, que promoveu medicas econômicas discutíveis e que, ainda por cima, é a força menos votada e a mais rejeitada pelo conjunto da população? Então, me parece que essa deveria ser a avaliação atenta à síntese de múltiplas determinações que envolvem o voto evangélico.

Tem pastores que dizem que vão votar Miley, tem pastores que dizem que não, e tem pastores que não se expressam. Na Argentina, 70% dos evangélicos que congregam em pequenas igrejas. Nas grandes igrejas deve ter uns 10.000 pastores. Eu não vi pronunciamentos massivos e majoritários nesse quadro geral. Deve ter tido 100, 200 pastores que se expressaram a favor de voltar a Miley. Não deve ter muitos menos que tenham se expressado em favor de outros candidatos, tanto do candidato do centro direita como do peronismo.

3. Milei vem fazendo críticas ao Papa e, ao mesmo tempo, traz uma plataforma política que em outros países está associada aos evangélicos. Há espaço para a discussão de valores religiosos nessa eleição argentina? Qual o peso que a questão religiosa pode representar no pleito?

R: Eu me lembro de ele fazer críticas ao Papa. Isso traz uma plataforma política que está associada aos evangélicos. Eu acho que tem toda uma tentativa dupla e cruzada de confessionalizar o voto, que ninguém sabe para qual lado vai impactar. Neste momento, a rejeição do peronismo é tão grande que se a Igreja Católica aparecer defendendo o peronismo, o que vai acontecer é que o discurso da Igreja Católica vai cair no vazio e ela vai perder crédito. Então, eu acho que a tentativa da Igreja Católica de confissionalizar o voto católico desencadearia uma migração do voto católico para a direita, e vai parecer que foram os evangélicos que atuaram para isso. Eu acho que o problema é a Igreja Católica indicar o voto em quem carrega a rejeição nesse momento. Inversamente, a maior parte dos pastores evangélicos sabe que é problemático aconselhar o voto. Em todo caso, eles sabem que os seus fiéis estariam votando para Miley, mas não diria que eles vão indicar esse voto. Talvez eles aproveitem politicamente, no caso do Miley dar sinais de que vai construir uma hegemonia, uma estabilização. Mas isso é uma coisa que vai acontecer após a eleição e que por enquanto é ainda muito incerta.


Pablo Séman é sociólogo e antropólogo, especializado em religião e cultura popular. É investigador do Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (Conicet) da Argentina e professor da Universidade Nacional de São Martin.