Evangélicos podem ser mais suscetíveis às “fakes news”

O país, nos últimos anos, convive com notícias falsas de toda ordem. Ultimamente, as principais fake news envolvem o processo eleitoral, sua legitimidade e confiança. Ideias como “As urnas serão fraudadas”, “o sistema eleitoral conspira com a oposição”, ou “agentes estrangeiros querem derrubar o presidente porque ele é uma resistência ao globalismo”, etc. povoam as redes.

Uma pergunta que fica nesse cenário é como esse tipo de notícia falsa ressoa entre os evangélicos, grupo visto como especialmente próximo ao presidente.

Em primeiro lugar, a notícia falsa de cunho eleitoral é abraçada pelo evangélico bolsonarista não porque ele seja evangélico, mas porque é bolsonarista. Seja o bolsonarista católico, espírita, sem religião ou evangélico, o discurso é exatamente o mesmo.

Quando o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) recebeu a condenação do ministro do Supremo André Mendonça, que é evangélico, o portal Gospel Prime chegou a lamentar: “André Mendonça decepciona evangélicos ao condenar Daniel Silveira”. A manchete deixou no ar que o lamento era generalizado. Fiz o teste de comentar sobre essa manchete em uma reunião da igreja, e ninguém sabia quem era Daniel Silveira. Nenhum dos participantes da reunião estava acompanhando o caso. Há sempre uma clara tentativa dos evangélicos bolsonaristas de falar em terceira pessoa ou pela comunidade evangélica como um todo. É o mesmo artifício dos populistas que dizem sempre falar em nome do povo. A própria imprensa comete o erro de tratar algumas lideranças midiáticas do meio evangélico como a voz do todo.

Em algum nível os evangélicos podem ser mais facilmente cooptados por notícias falsas. Eis alguns motivos: (a) Os evangélicos têm consciência que muita gente não gosta do Movimento Evangélico por preconceito e medo, o que é verdade, e isso gera no evangélico um clima constante de medo de perseguição, o que não tem base na realidade. (b) Os evangélicos se comunicam muito entre si, seja por meio de reuniões sociais ou mídias. O evangélico é comunitário por natureza, e é mais comunitário do que a média do brasileiro sem filiação religiosa formal. Comunidades coesas ajudam na propagação de ideias, verdadeiras ou falsas. (c) O peso da palavra pastoral é grande. No protestantismo raiz, o pastor seria um entre os iguais, apenas exercendo a ministração da Palavra e dos sacramentos sobre os demais, porém com baixa influência no comportamento e na opinião ideológica da comunidade. Já o evangelicalismo típico brasileiro, o pastor tem certa aura católica (hierarquia de vocação) e mística (chancela divina da vocação): é o sacerdote ungido que desfruta de um carisma pra lá de especial. É o “homem de Deus”, o “servo do Altíssimo”, um mediador entre Deus e os homens.

Embora essa forma de enxergar o pastor seja contrária à teologia protestante clássica, o brasileiro evangélico costuma ter uma relação de respeito mediada por essa aura de santidade.

Notícias falsas em igrejas não são uma novidade. Na década de 1990, o alvo das notícias falsas era a mídia televisiva e as grandes multinacionais. Algumas lendas urbanas circulavam nos púlpitos das igrejas tais como o “alô, Diabo”, que supostamente era visível na embalagem da Coca-Cola ou o órgão sexual masculino que estava representado de maneira subliminar no desenho do castelo do filme A Pequena Sereia, produzido pela Disney (EUA, 1989). Esse mesmo tipo de notícia falsa também era comum em programas populares de TV na época e em jornais impressos sensacionalistas. A imprensa fez uma autorregulação no decorrer do tempo sobre esse tipo de conteúdo (embora ainda exista o sensacionalismo dos jornais policiais), o que ainda não foi feito pelas igrejas.