Evangelismo em prisões: avanços e retrocessos

Evangelismo em prisões: avanços e retrocessos

Recentemente, ganharam destaque na mídia, especialmente no meio evangélico, notícias de que o governo teria “proibido o evangelismo em presídios”. Essas manchetes estão relacionadas à Resolução nº 34, publicada em 24 de abril de 2024 pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), pertencente à estrutura do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que substituiu a Resolução CNPCP nº 8/2011, com o objetivo de atualizar as normas relativas à “assistência socio-espiritual e à liberdade religiosa das pessoas privadas de liberdade”.

O que se observou foi uma acalorada discussão do evangelicalismo brasileiro sobre os efeitos práticos das mudanças ocasionadas pela resolução citada. De fato, inúmeros segmentos cristãos reprovaram por completo o seu conteúdo, argumentando que a medida seria “o fim da liberdade religiosa nos presídios brasileiros”. Recentemente, a ANAJURE emitiu manifestação pública sobre a resolução, esclarecendo que a questão não é tão simples, e que há pontos negativos e positivos na referida norma.

Com efeito, a nova resolução aprimorou a garantia do direito à liberdade religiosa nas unidades prisionais em diversos aspectos. A título exemplificativo, cite-se o dever da administração prisional (i) de realizar uma busca ativa, no momento do acolhimento, da preferência religiosa do preso para promover a garantia da assistência das diversas religiões, majoritárias ou minoritárias (art. 17, I, Resolução CNPCP nº 34); (ii) de garantir a devida proteção aos grupos religiosos que acessem o local para prestação de assistência no horário agendado sem riscos ou espera prolongada; e, ainda, (iii) de observar, sem comprometer a segurança, os rituais, orações e dietas religiosas das pessoas indígenas, estrangeiras, de religiões de matrizes africanas ou de religiões minoritárias.

Por outro lado, deve-se observar que a vedação ao proselitismo religioso, que ocupou lugar central nos debates sobre a temática, já constava da resolução anterior (Resolução CNPCP nº 8/2011), sem que com isso tenha havido a proibição do evangelismo em presídios. O que se conclui, pois, é que a interpretação vigente até então é no sentido de que tal proibição refere-se a movimentos que busquem a conversão do preso de forma coercitiva, ou que atuem de modo agressivo para trazer pessoas de outras fé para a sua.

Pontue-se aqui que a prática do proselitismo já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal como abrangida pelo direito à liberdade religiosa, em mais de uma ocasião: “[a] liberdade religiosa, por sua vez, abrange o livre exercício de consciência, crença e culto. Ou seja, alcança a escolha de convicções, de optar, ou não, por determinada religião, de empreender proselitismo e de explicitação de atos próprios de religiosidade” (Recurso Ordinário em Habeas Corpus 134.682); “[a] liberdade religiosa não é exercível apenas em privado, mas também no espaço público, e inclui o direito de tentar convencer os outros, por meio do ensinamento, a mudar de religião. O discurso proselitista é, pois, inerente à liberdade de expressão religiosa” (Ação Direta de Constitucionalidade por Omissão 2.566).

Ainda assim, também é importante observar que o texto da resolução não faz tal distinção, nem em qualquer momento define qual seria o proselitismo que é vedado. Nesse sentido, a falta de clareza do dispositivo normativo gera uma insegurança jurídica incompatível com a plena garantia do direito à assistência religiosa, colocando os prestadores de tal assistência à mercê da interpretação da autoridade prisional, o que pode ensejar discricionariedades e arbitrariedades.

Assim sendo, embora entendamos que o alarde que foi observado não condiz com o disposto na resolução, a qual, repita-se, em nada inovou o ordenamento jurídico sobre o tema, também nos posicionamos de forma crítica em relação à manutenção, no corpo do texto, de vedação dúbia que pode agredir o direito à liberdade religiosa.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Lucas Oliveira Vianna é coordenador estadual da ANAJURE no Rio Grande do Sul e doutorando em Direitos Humanos pela Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul, com período sanduíche na Universidade de Edimburgo (Escócia). Atua como professor nas áreas de Direito, Filosofia e Teologia e escreveu a obra "Aborto entre Direito e Moral”, publicada em parceria com Matheus Thiago Carvalho Mendonça, pela editora Lumen Juris.

A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE JURISTAS EVANGÉLICOS (ANAJURE) é uma entidade brasileira fundada em 2012, sendo composta por operadores do direito, integrantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública, da OAB, das Procuradorias Federais e Estaduais, assim como Professores e estudantes de todo o país, estando presente em 21 Estados da República Federativa Brasileira, e tem como lema a “Defesa das Liberdades Civis Fundamentais”, em especial, a Liberdade Religiosa, de Expressão e a Dignidade da Pessoa Humana. A ANAJURE também é filiada a instituições internacionais que trabalham em defesa das liberdades civis fundamentais em todo o mundo, como a Federação Interamericana de Juristas Cristãos (FIAJC) e a Religious Liberty Partnership (RLP).