Gays vão para o inferno?

Casamento entre homoafetivos e o aborto são, possivelmente, as pautas mais divisoras dentro da comunidade evangélica, não apenas o Brasil, mas no mundo.

Gays vão para o inferno?
Crédito: Agência Brasil

O espírito de Lausanne

Até o dia 30 de abril, seguem abertas as inscrições e oportunidades de indicações de lideranças e formadores de opinião evangélicos para participar do Quarto Congresso de Lausanne sobre Evangelização Mundial, que será realizado em Seul, Coreia do Sul, em setembro de 2024. O evento marca o jubileu (50 anos) do Movimento de Lausanne, criado pelo grande pregador americano Billy Graham, em 1974, para promover o encontro entre líderes, pastores e missionários mundiais, num tempo em que a comunicação entre as nações era custosa e apenas se começava a ouvir falar nos aparelhos de fax (os mais novos precisarão da Wikipedia para esta referência).

O Movimento de Lausanne surgiu quando Billy Graham pregava durante o Congresso Internacional de Evangelização Mundial, que reuniu 2.700 líderes cristãos de 150 países na cidade suíça. O evento foi descrito na ocasião pela revista TIME como “um fórum formidável, possivelmente o encontro cristão mais abrangente já visto”.

Billy Graham (1918-2018), considerado o maior evangelista cristão do século XX, que pregou para mais de 2,5 milhões de pessoas ao redor do planeta e esteve no Brasil duas vezes – lotando em 1962 o estádio do Pacaembu, em São Paulo, e o Maracanã, em 1974 - acreditava que a igreja de Cristo precisava se atualizar sobre as grandes mudanças políticas, econômicas, intelectuais e religiosas daquele tempo. Sentiu um chamado para conectar líderes cristãos do mundo todo, começando assim um movimento “marcado por um espírito de humildade, amizade, oração, estudo, parceria e esperança”, que Graham chamou de “o espírito de Lausanne”.

No Brasil, o Movimento de Lausanne está representado por um comitê executivo. Mais informações em https://linktr.ee/LausanneBrasil

Para pesquisar:

Quem são os principais influenciadores do Movimento Lausanne no Brasil e que debates eles têm proposto?

Que impacto teve e tem essa grande mobilização global em questões críticas como a polarização político-ideológica nas igrejas e a defesa do meio ambiente?

O Movimento Lausanne é uma plataforma realmente influente no universo evangélico mundial?


Anglicanos versus Anglicanos

Centenas de líderes conservadores anglicanos de 52 países se reuniram em Ruanda, na África, na semana passada, para debater os mais recentes rachas na denominação protestante fundada oficialmente pelo rei Henrique VIII, no século XVI. O tema, mais uma vez, está relacionado ao apoio de uma ala da igreja às uniões entre pessoas do mesmo sexo. Em fevereiro, durante o sínodo anual em Londres, 250 bispos, clérigos e leigos aprovaram as reformas para permitir que padres possam abençoar a união civil de casais homoafetivos. Eles ficam proibidos, no entanto, de fazer casamentos entre pessoas do mesmo sexo na igreja.

A conferência em Kigali, capital de Ruanda, foi convocada pela Conferência Global para o Futuro do Anglicanismo, ou GAFCON, um grupo formado em 2008 que defende a ortodoxia na comunhão anglicana global. “Estamos aqui para colocar a Bíblia no centro de tudo”, disse o arcebispo Laurent Mbanda, de Ruanda, à AP na terça-feira, dia 18.  A decisão da Igreja da Inglaterra de abençoar as uniões entre pessoas do mesmo sexo criou “enorme confusão” e pode ser o “último prego no caixão do já dividido legado da Igreja Anglicana”, disse Mbanda.

As divisões aumentaram nos últimos anos quando bispos conservadores, principalmente da África e da Ásia, afirmaram sua oposição à inclusão LGBTQ e exigiram “arrependimento” das províncias mais liberais com políticas inclusivas.

A Igreja Anglicana no Brasil, uma das 40 províncias autônomas, da Comunhão Anglicana global, informa que se alinha aos anglicanos em todo o mundo “que permanecem fiéis às Sagradas Escrituras do Antigo e do Novo Testamento e seguem as resoluções estabelecidas por sua maioria na Conferência de Lambeth em 1998, especialmente a relativa à sexualidade humana (resolução 1:10)”. A igreja informa ainda que faz parte da GAFCON, é signatária da “Declaração de Jerusalém” e membro da Global South Fellowship of Anglican Churches (GSFA), que reúne mais de 70 milhões de anglicanos em todo o mundo que permanecem fiéis à Bíblia como a Palavra de Deus. “A Igreja Anglicana no Brasil refuta o revisionismo bíblico que vem “rasgando” o frágil tecido da unidade da igreja.”

Por outro lado, uma outra província do anglicanismo no Brasil, a Igreja Episcopal Anglicana, permite o casamento entre pessoas homoafetivas desde 2018.

Para apurar:

Qual o tamanho do anglicanismo no Brasil, quantas províncias existem, que vertente é mais influente – a progressista ou a conservadora?

Resultados e impactos da conferência em Ruanda para o movimento anglicano global.


Gays vão para o inferno. Ou não vão?

Casamento entre homoafetivos e o aborto são, possivelmente, as pautas mais divisoras dentro da comunidade evangélica, não apenas o Brasil, mas no mundo. Falo de forma empírica. Na semana de 17/4, uma nova “treta” entre celebridades evangélicas bombou nas redes sociais.

Começou com um vídeo da bispa Sônia Hernandes, da Igreja Renascer, em que ela responde a uma mensagem em que o autor pergunta se os gays vão para o céu. De maneira serena, ela defende que “quem somos nós para dizer quem vai ou não vai para o céu” e que o cristão não deve julgar ninguém, como ensinou Jesus (Mateus 7). “Não compete a mim nem a você falar quem vai ou quem não vai para o céu”, afirma Hernandes.

Surge então um vídeo-resposta de um furioso (para variar) pastor Silas Malafaia. Nele, critica aqueles que, segundo ele, “botam panos quentes no pecado para tomar a forma do mundo”. Defende que a Bíblia é clara ao indicar quem irá para o céu e quem irá para o inferno. “Eu não coloco ninguém no céu nem no inferno, mas a Bíblia me diz quem vai para o céu e quem vai para o inferno”, esbraveja Malafaia. Ele cita versículos bíblicos que testificam que os “sodomitas” não entrarão “no Reino dos Céus”.

A polêmica ganha força e a ela se une o Apóstolo Alessandro Gregorute, do ministério Nação Evangelizadora, de Campinas (SP). Ele também vai contra a bispa, dizendo que ela “é apenas mais um exemplo da geração de líderes que se tornaram escravos da liberdade que ofereceram ao povo”. “Essa liberalidade muitas vezes vai contra a própria Bíblia e agora os líderes estão colhendo os resultados do que foi plantado. Eles se tornaram escravos de si mesmos e do povo que pastoreiam, a ponto de não poderem mais dizer a verdade, sob o risco de serem condenados pela própria liberdade que pregaram.”

Sugestão de leitura:

Entre a Cruz e o Arco-íris – este livro, de minha autoria, debate a complexa relação da igreja com a homoafetividade e tenta jogar um pouco de luz sobre o assunto.

Mais informações em: https://www.instagram.com/mariliaccesar/

* Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Marília de Camargo César nasceu em São Paulo, é casada e tem duas filhas. Jornalista, é editora-assistente de projetos especiais do Valor Econômico, maior jornal de economia e negócios do Brasil. É também autora de livros que provocam reflexão nas lideranças evangélicas. Suas obras mais conhecidas são Feridos em nome de Deus, Marina — a vida por uma causa e Entre a cruz e o arco-íris.