Há um empoderamento negro nas igrejas que só quem vive sabe
A partir da leitura do texto “Cristãos mal-educados, De Allen Callahan, gostaria de refletir, responder e propor algumas inquietações que me vieram a mente.
Primeiramente, é preciso ressaltar que ser negro, pentecostal e periférico no Brasil é muito difícil. Vivemos na pele-alvo essa realidade cotidiana. As lutas travadas aqui são renhidas e todos os dias, para além de afirmarmos a fé, lutamos pela sobrevivência ferrenhamente. Em segundo lugar, infelizmente, as leituras que se fazem dos crentes das favelas ainda são pejorativas e nos projetam para o “lugar da ignorância”. No entanto, basta ler pesquisas sobre os pentecostais no Brasil para se certificar que o(s) pentecostalismo(s) é(são) distinto(s) em sua(s) composição(ões), principalmente, quando se fala em periferias do/no Brasil. No texto Cristãos mal-educados, há uma ideia de pentecostalismo e neopentecostalismo como seguimentos e/ou movimentos empreendedores. No entanto, os neopentecostais os quais o texto refere não estão empreendendo nas periferias.
Para se ter uma ideia, em termos concretos, um pastor-dirigente “recebe” como ajuda de custo para pastorear em uma favela em torno de 300,00 reais – isso quando essa comunidade tem retorno financeiro dos dízimos. Então, como empreender? Como ser coronelista nesse contexto? Na verdade, eles trabalham mais de 10 horas por dia, ou seja, muitas vezes ajudam suas comunidades com recursos próprios todos os meses.
As pesquisas sobre os neopentecostais são vastas e as mais recentes já afirmaram que as denominações desse segmento estão nas regiões centrais e nas grandes avenidas das cidades, regiões de grande fluxo de pessoas. Me parece que boa parte dessas instituições sobrevivem de trânsito religioso – há “fiéis” por lá, porém, a adesão funciona como efeito band aid, ou seja, depois da cura, o “fiel” volta para a igreja de base. Portanto, o neopentecostalismo aqui, se distancia geográfica e teologicamente dos pentecostais das favelas.
Quanto ao pentecostalismo, de domingo a domingo, por volta das 9h da manhã, diversos crentes saem de suas simples casas carregando bíblias, revistas e a fé. Ao chegarem no salão alugado (que se diz igreja) cumprem com a liturgia local com prazer e reverência. Até porque para eles/elas, o “domingo do Senhor” é um dia pedagógico, momento de estudar, debater e refletir sobre os assuntos da revista da Escola Bíblica Dominical e seus temas – diria: dia de formação. No decorrer do ensino, os crentes falam sobre “quase tudo”, e há quem arrisque, naquela aula, especificamente, trazer à baila questões contemporâneas -, feito, o debate está instalado. Pode-se ouvir dos jovens até as “irmãs do coque” assuntos que vão desde a política até os acontecimentos globais.
Seriam estes pentecostais alienados por lerem o mundo através da lente pentecostal? Viveriam à parte da sociedade sem terem contato com questões profundamente sensíveis, como se numa espécie de vida extramundana? Estariam presos à “teologia do escapismo” – ou seja, escapando da realidade?
Por certo que não. Veja, não há nada mais revolucionário do que o crente-negro-periférico ter o direito à palavra no espaço de fé e em outros espaços. Palavra que lhe é negada, inclusive, por intelectuais orgânicos que, por vezes, abandonam o diálogo pelo poder – renegando o pentecostalismo à subalternidade. Porém, é preciso salientar que os pentecostais fomentam e levantam questões sobre o seu tempo, e, no poder do “Espírito”, contradizem o próprio sistema local, subvertendo “valores” e minando “colunas” fundamentalistas ao se “fazerem” águas-potentes que minam as estruturas.
Alguém pode perguntar: (...) contudo, onde está engajamento e a formação política pentecostal?
Para responder essa pergunta é preciso fazer uma outra, a saber: “onde estão os pensadores contemporâneos nos “cultos do Dia do Senhor” naquela igrejinha pentecostal?
Cobra-se dos pentecostais posicionamentos. No entanto, muitas ovelhinhas já “viraram” bodes em suas congregações – em outras palavras, muitos benquistos passaram a ser considerados malquistos . Ademais, não são todos (e dessa vez uma boa parcela) que estão mancomunados com esse (des)governo. Qual o nome disso? Subversão, “rebeldia cristã” e um não ao voto de cabresto! Aliás, subvertem também na entrega de alimentos, no acolhimento, no resgate, na partilha, na comunhão, na busca pela nova vida do bandido etc., – um empoderamento comunitário negro que só quem vive - e está lá - é quem sabe.
Por fim, o “poder” pentecostal não está só “na língua do povo”, e sim, na atitude esperançosa que abraça e acredita no potencial e na sabedoria da faxineira, do porteiro, do pedreiro, da iletrada. E mais, essa pentecostalidade fervorosa e comunitária faz com que as gerações creiam e avancem mesmo na precariedade. Afinal, não é à toa que eles/elas creem na vitória ainda nesta vida, e, por isso, a favela vence!