Homossexualidade não é um pecado maior do que outras lutas éticas

Cito de memória o que o teólogo Michel Horton escreveu: não é quando a igreja é lançada no Coliseu que ela perde a credibilidade, mas quando ela se assenta no trono de César.

Meu recado para os evangélicos do Brasil, meus irmãos e irmãs, tem a ver com isso. Precisamos de discernimento: uma coisa é dar testemunho numa condição de minoria, e isso deve ser feito com amor na forma da valentia, da coragem, do enfrentamento sacrificial. Porém quando estamos na condição de maioria (somados evangélicos e católicos) o testemunho da fé deve assumir a forma da gentileza, da escuta e da bondade em relação àqueles que são diferentes e sustentam um estilo de vida que contrária convicções cristãs, como no caso do movimento LGBTQIA+.

Escrevi sobre esse tema neste artigo e vou contar essa história para ilustrar o que disse de uma forma mais conceitual e abstrata.

Eu trabalho aqui no centro de São Paulo, na Consolação, há mais de 20 anos, na Primeira Igreja Presbiteriana de São Paulo, que fica no Centro, na região da Praça Roosevelt, próxima dos teatros. É uma região de efervescência cultural com teatros experimentais. Uma área de prostituição, hoje menos na rua da igreja, mas teve boates famosas como Kilt. E também uma área com a presença muito forte da população homossexual, tanto travestis na área de prostituição quanto da população homossexual que mora ali em apartamentos com uma única unidade, estúdios, que fazem parte dessa renovação do Centro.

Em certa ocasião, eu fiz um sermão na igreja sobre a homossexualidade e colocando os dilemas que nós temos na Bíblia em relação a isso. Uma posição bíblica que tem restrições, mas que eu entendia a situação de sofrimento, de luta das pessoas que viviam nessa condição e que elas eram chamadas a seguir na caminhada cristã. E eu defendi que os pecados da sexualidade, fossem relacionados a homossexualidade ou a heterossexualidade, não eram pecados maiores ou mais complicados do que as lutas éticas que as pessoas têm em outras dimensões, que a sexualidade não era o centro da vida de uma pessoa.

Naquela ocasião um frequentador da igreja, morador do Copan, veio conversar comigo, dizendo que, como homossexual, ele se sentiu respeitado, acolhido na igreja e se identificou com o posicionamento descrito no sermão.

Tempos depois, ele me procurou para saber sobre as ações que a Igreja tem para atender populações carentes. Informei para ele e ele não tocou mais no assunto. Passou mais algum tempo, eu estava viajando, recebi um telefonema avisando que essa pessoa havia falecido. Fiz o funeral e um mês depois eu fui procurado por um advogado com o testamento dessa pessoa.

Nesse documento, ele dizia que havia vindo para a igreja em 2008 e que sempre foi tratado com muito respeito por toda liderança da igreja. Cantava no coral e que ali na igreja ele havia vivido os melhores dias da vida dele, em comunhão com o Criador. Nunca houve um discurso de reorientação, de cura e tampouco um discurso fora daquilo que é a tradição principal da Igreja. Isso são palavras literais que ele deixou no testamento.

Como o tema da sexualidade não foi colocado como algo com uma importância central, ele se sentiu livre o suficiente, acolhido o suficiente para confiar o resultado de uma vida inteira de trabalho e de ganhos para que a Igreja administrasse em favor das pessoas menos favorecidas. E deixou sob a responsabilidade da Igreja cerca de 60 imóveis, para que fosse instituída uma fundação para cuidar das pessoas carentes, crianças, idosos, mulheres em situação de violência doméstica.

Eu brinco dizendo que as nossas igrejas dão muita a ênfase ao testemunho e que um testemunho vale muito. Mas um testemunho registrado em cartório, como esse, deve valer mais ainda.

Esse não é um caso isolado, uma anedota, uma exceção. Tenho outros testemunhos nessa direção, de como o modo como você apresenta as suas convicções cristãs, se você está em uma posição privilegiada e você apresenta isso na forma de escuta e não de uma forma agressiva, violenta, como isso cria uma empatia e abre espaço para para diálogo com as pessoas. Ele dá ideia sobre como você pode manter suas convicções, mas ter uma atitude acolhedora.