Igrejas fortalecem protagonismo e dignidade da mulher

A igreja representa o espaço onde a mulher circula, transita, se coloca e atua, gerando um protagonismo que não lhes é concedido em muitos espaços da sociedade.

Igrejas fortalecem protagonismo e dignidade da mulher
Crédito: Folha G

A igreja é um micro estado de bem estar social, em comunidades pouco assistidas pelo governo. É nas igrejas que as pessoas se acolhem, se apoiam, se solidarizam, principalmente as mulheres. Em meio a uma vida precária e difícil, muitas mulheres, mães solteiras, trabalhadoras, cozinheiras, empregadas domésticas, mulheres que sustentam toda a família, ou muitas vezes que são ou já foram agredidas por seus parceiros, encontram nas igrejas evangélicas de seus bairros acolhimento e uma rede de fortalecimento e apoio, semelhante à rede que o feminismo propõe, porém, com outra simbologia, representação e significado.

Ao mencionar o feminismo para estas mulheres ouvimos um “não gosto dessas coisas”, presenciamos um desconhecimento por parte delas sobre algo que aparentemente “todo mundo conhece”. E a pergunta é: porque o feminismo não chega nestes espaços na qual a demanda é tão alta?

Segundo levantamento quantitativo publicado pelo Datafolha em 2020, que reforçou alguns dados sobre o perfil religioso da população brasileira presentes no Censo de 2010 (Disponível em As religiões no Brasil - Religião e Poder (religiaoepoder.org.br), o perfil predominantemente de frequentadores de igrejas evangélicas no Brasil é de mulheres negras, seja de vertente protestante, pentecostal ou neopentecostal. São as mulheres os pilares da grande maioria das igrejas, são elas o elemento essencial para estruturar o trabalho nestes espaços, assim como em tantos outros espaços na sociedade: relações públicas no interior da igreja, grupos de oração, assistência social, recolhimento de donativos, oficinas, entre outras tarefas. A participação das mulheres é essencial para o funcionamento das igrejas.

Em meio aos diversos tipos de “abandonos” e a tantas dificuldades psicossociais, é muitas vezes na igreja que essas mulheres conseguem ampliar sua atuação para além do âmbito doméstico, consolidando sua própria agência. Em uma perspectiva da vida pública, a igreja representa o espaço onde a mulher circula, transita, se coloca e atua, gerando um protagonismo que não lhes é concedido em muitos espaços da sociedade.

É também dentro da igreja que acontece uma forte rede de proteção e solidariedade entre mulheres. Diante de uma vida instável e imprevisível, cercada de vulnerabilidades, a igreja proporciona uma rotina estável e confortável. Em muitas situações de violência doméstica, a rede de apoio entre mulheres dentro da igreja se faz como um elemento extremamente importante. Assim como a orientação em relação aos cuidados com os filhos muitas vezes ocorre no interior da igreja, uma vez que grande parte das frequentadoras não possuem acesso à “escuta” que em outras camadas sociais acontecem na forma de terapia, entre outros meios de acolhimento. É dentro das igrejas que muitas mulheres negras, marginalizadas pela sociedade, excluídas de tantas formas, encontram o sentimento de pertencimento, senso de dignidade e reorganização da vida cotidiana.

A igreja representa para essas mulheres o que foi negado por todos os outros espaços da sociedade: um horizonte de sentido, e principalmente uma alternativa ao abandono social, precarização do mundo do trabalho, escassez de acesso à cultura e ao lazer. Segundo Jacqueline Teixeira e Lívia Reis, as mulheres são “responsáveis pelo cuidado e pela subsistência das famílias e, por isso, dão prioridade a espaços que façam diferença na gestão da vida cotidiana", e este é um dos motivos pelo qual grande parte da parcela evangélica é composta por mulheres (https://religiaoepoder.org.br/artigo/mulheres-evangelicas-para-alem-do-voto-concepcoes-sobre-politica-e-cotidiano/).

Nesse sentido, dentro de uma perspectiva da luta de mulheres por condições melhores na América Latina e em específico no Brasil, é impossível desconsiderarmos a experiência de mulheres evangélicas que buscam na religião uma forma de alcançarem dignidade e enfrentarem as adversidades da vida.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Manuela Löwenthalé Doutoranda em Ciências Sociais pela UNIFESP, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora  do projeto Temático "Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo", financiado pela FAPESP.  Atua também como Professora de Sociologia na Rede Estadual Paulista.