Igrejas incentivam educação de fiéis, mas interpretação sobre papel da mulher ainda é ambíguo

Igrejas incentivam educação de fiéis, mas interpretação sobre papel da mulher ainda é ambíguo

Já se falou muito sobre a Teologia da prosperidade e os impactos de sua disseminação a partir dos púlpitos nas igrejas brasileiras. As campanhas de fé, os pedidos de oferta insistentes, a supervalorização da conquista material como prova da bênção divina, a relação com Deus nos moldes de uma sociedade empresarial. Exemplos negativos com certeza. Contudo, faz parte desse contexto uma busca cada vez maior pela qualificação profissional. Crentes, sejam homens ou mulheres, veem na dedicação aos estudos uma possibilidade de ascensão social e melhoria das condições de vida.

O que pouco se fala é o impacto que essa busca do ponto de vista profissional também produz na vivência cristã e na vida familiar. O conhecimento é algo muito valorizado na Bíblia. Com respeito a esse ponto, podemos ir desde “conhecerão a verdade e a verdade os libertará” (Jo 8.32), até o pedido feito por Salomão no início do seu reinado (2 Cr 1.10). Seria inquestionável o fato de que a busca por conhecimento pode contribuir não só para a ascensão social da família, mas também potencializa os dons que o Espírito concede a cada um.

Contudo, essa busca por qualificação profissional pode influenciar de modos diferentes o homem e a mulher na vivência de sua fé. Isso porque, em termos gerais, a busca por estudo estará sempre submetido à vontade de Deus para a vida da pessoa. Tendo isso em vista, o conhecimento pode ser apreciado pelas comunidades de fé de modos diferentes dependendo do gênero em questão. Isso porque na cosmovisão cristã conservadora o homem é tido como provedor da casa, cabeça da mulher e sacerdote do lar. Sobre ele está a responsabilidade de garantir o sustento para sua família, direcionar a vida familiar com sabedoria e promover a prática dos princípios bíblicos dentro de sua casa, não só para si como também para os demais.

À mulher, por sua vez, está reservado o papel de cuidar do lar, dos filhos e do marido. Isso se traduz em tarefas diárias como manter a casa ordenada e velar pela alimentação e saúde dos demais. A pressão social (exercida pela comunidade de fé) sobre a mulher muitas vezes vai nessa direção. O capítulo 31.10-20; 26 do livro de Provérbios fala muito sobre as qualidades esperadas da mulher. Nesse texto são tidas como virtuosas práticas como o cuidado do lar, a caridade e a delegação de tarefas aos funcionários da casa.

Trago isso porque a dedicação aos estudos e qualificação profissional pode muitas vezes ficar em segundo plano quando a mulher constitui sua própria família. Do marido a igreja espera que ele continue se desenvolvendo profissionalmente e traga para casa os frutos do seu trabalho. Da mulher, ao contrário, pede-se que tenha como prioridades as tarefas do lar e ao cuidado com a família. Ademais, que seja submissa a seu marido e encare como propósito de Deus o fato de abdicar de sua atividade profissional em prol dos demais. Há casos até mais extremos, como o de um reconhecido líder religioso dizendo que suas filhas não iriam fazer faculdade porque isso as tornaria mais propensas a mandar em seus maridos.

Todavia, se observarmos Pv 31.16, a mulher é elogiada também por avaliar, comprar um campo e plantar uma vinha nele. Essas atividades demandam da pessoa conhecimento e interação social suficientes a ponto de alcançar um bom resultado. Ou seja, em termos atuais, pensemos em uma pesquisa de mercado, um processo de negociação, um lidar com os trâmites legais para a efetivação da compra, um planejamento para o plantio e um gerenciamento da produção. Tudo isso demanda conhecimento e busca de profissionais capacitados. Em suma, relacionamentos.

Em uma perspectiva reformada, a mulher estaria abençoando não só sua casa, como também outras pessoas na sociedade. Estaria não só deixando que Deus trabalhasse nela a partir de suas atividades, mas também abençoando seu esposo, seus filhos e outras pessoas com seu trabalho a ponto de manifestar a graça divina para crentes e não crentes. Expansão do reino de Deus.


João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina. Contato: joao.barros@unila.edu.br .