Intolerância Religiosa, Fundamentalismo e Racismo: Desafios para uma Sociedade Democrática e Igualitária no Brasil

Intolerância Religiosa, Fundamentalismo e Racismo: Desafios para uma Sociedade Democrática e Igualitária no Brasil

No último dia 17, a mãe de santo e líder espiritual mãe Bernadete foi assassinada a tiros em seu espaço sagrado em frente aos seus netos.

Fatos como estes veem ocorrendo com certa frequência no Brasil, advindos de uma forte intolerância e extremismo religioso por parte de grupos fundamentalistas pentecostais e neopentecostais ancorados no que é chamado de “Teologia do Domínio”, que surge nos anos 1970, nos Estados Unidos e que busca a reconstrução da teocracia. Isso significa que tal teologia acredita que evangélicos devem ocupar todas as esferas públicas, e espaços de poder, a fim de preparar o mundo para o retorno de Jesus Cristo, esta doutrina compreende que não deve haver espaço para outras crenças.

A teologia do Domínio carrega em si uma lógica bastante perigosa: a ideia de que há apenas uma única verdade, apenas uma única crença e formas de expressar e manifestar a fé, e que toda e qualquer forma diferente é necessariamente errada e deve ser combatida. Tal postura não tem outro nome que não seja fundamentalismo religioso.

O fundamentalismo é perigoso porque ele não é apenas uma ideia, mas uma prática. Fatos como a morte de mãe Bernadete passam a ser reais porque discursos fundamentalistas são considerados mera “opinião”, como algo inofensivo e até mesmo como uma prática incorporada ao próprio Estado. O Estado, assim como outras instituições sociais e políticas operam em uma lógica ocidental e excludente, onde práticas não ocidentais e não brancas são vistas como ameaçadoras e perigosas. E tal lógica está tão enraizada na sociedade que é muito comum ver pessoas com “medo” de religiões de matriz africana, ou até mesmo acreditando que seja algo do mal, ou voltada para práticas de bruxaria. Dessa forma, religiões de matriz africana passam a não serem consideradas como sagradas, e sim profanas. Mas o critério de considerar algo sagrado e algo profano é muito claro: envolve questão de raça.

Nesse sentido, tal intolerância não é uma intolerância qualquer, mas um ódio voltado e bem direcionado à grupos específicos. Isso fica mais evidente ainda se observarmos os dados que demonstram que além de religiões de matriz africana, também são alvos de ataques grupos de oração de povos indígenas. Isso significa que tal discriminação não é direcionada a qualquer religião que não seja evangélica, mas sim à religiões de origem não branca. Diante disto, muitos especialistas têm chamado o fenômeno de “racismo religioso”, uma vez que é um crime motivado por discriminação racial.

Isso traz um questionamento importante: o racismo se organiza a partir de uma lógica de que toda e qualquer forma de ser e de se manifestar que foge da lógica ocidental e colonizadora, sempre será atacada.

Porém, o Prof. Drº. Babalaowô Ivanir dos Santos na gravação do Programa Café Filosófico no último dia 24 trouxe uma importante reflexão sobre o tema, quando questionou o público: “vocês acham que os evangélicos negros realmente praticam racismo? E será que uma pessoa branca da Umbanda sofre racismo?” Perguntou o professor, ao afirmar que grande parcela dos evangélicos é de pessoas negras, e muitas pessoas que professam a religião Umbanda são brancas.

Tais questionamentos são essencialmente importantes para pensarmos sobre  como há uma estrutura de poder que permanece atuando em uma lógica racista, e que se desmembra em fundamentalismo religioso, intolerância religiosa, e que isto é um impedimento para a construção de um país mais igualitário.

O Estado está falhando no combate à essas práticas violentas de grupos fundamentalistas religiosos. Esta é a pauta que deve ser debatida e ter o foco das atenções.

Pessoas negras estão sendo assassinadas independente de suas religiões. Em comunidades, a polícia não quer saber qual é a religião, apenas quem é a mira, e dados apontam que a grande parte das vítimas são pessoas negras.
Então a questão é: o racismo é real, é institucionalizado, é legitimado e é uma ferida que sangra desde o período colonial. Esta feriada ecoa em diversas esferas da sociedade, incluindo dentro de grupos pentecostais e neopentecostais.
Religiões de matriz africana são atacadas constantemente em vários lugares do Brasil, templos são queimados e líderes religiosos assassinados. Isso significa que a garantia de direitos não está sendo praticada e a constituição não está sendo respeitada.

Não há como haver um projeto de país desenvolvido se uma fé ancestral é impedida de se manifestar. A intolerância religiosa ainda é um dos maiores desafios para a construção de uma sociedade igualitária, pois se o Estado não defende a diversidade, este Estado é um risco para a Democracia.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Manuela Löwenthal é Doutoranda em Ciências Sociais pela UNIFESP, pesquisa temas vinculados à Religião e Política no Brasil. Possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (2012), onde também obteve o título de mestre. É pesquisadora  do projeto Temático "Religião, Direito e Secularismo: A reconfiguração do repertório cívico no Brasil contemporâneo", financiado pela FAPESP.  Atua também como Professora de Sociologia na Rede Estadual Paulista.