“Jesus se fez negro e pobre”: entrevista com Marco Davi Oliveira

O pastor batista e teólogo Marco Davi Oliveira foi a primeira pessoa a levantar a mão para dizer com todas as palavras que o pentecostalismo é a religião mais negra do Brasil. E também para levantar a questão inquietante de por que a liderança das igrejas protestantes continua sendo branca. Curador deste Observatório, Marco é historiador e teólogo, mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo e autor, entre outros, de A Religião mais negra do Brasil, publicado em 2015.

Por que o cristianismo evangélicos mobiliza os pretos pobres do Brasil?

A fé cristã, em tese, é a fé dos mais pobres e pretos. A fé em Jesus tem sua origem no entroncamento da África com a Ásia e se estabelece entre pobres e, por que não dizer, pretos. Os primeiros cristãos fora da Palestina foram os coptas na Etiópia. São aqueles que no livro de Atos são chamados pela primeira vez de cristãos.

Dito isso e pensando no mundo contemporâneo, vejo que a fé cristã evangélica se estabelece entre os pobres e pretos por se aproximar das demandas sociais na construção de redes de apoio mútuos e constantes. Lá onde o Estado que deveria chegar, não chega nem se importa, está a igreja evangélica para dar suporte nos tempos de crises emocionais, financeiras, conjugais e de saúde. Então a igreja é uma espécie de oásis.

Por que as igrejas evangélicas debatem pouco ou não debatem o tema racial?

A igreja debatia muito menos esse tema há 30 anos ou 20  anos. Hoje vejo algo muito positivo acontecendo. Vejo mesmo o racismo sendo debatido dentro das igrejas pentecostais. As históricas também estão fazendo isso. Mas é ainda muito pouco, claro.

Há o fundamentalismo religioso que impede a igreja de refletir sobre assuntos sociais. E o racismo é um problema que muitas vezes a igreja quer mostrar que não existe. Às vezes isso trava e dificulta o diálogo.

Entendo que o maior motivo para as igrejas não falarem sobre o racismo é porque a pessoa negra que está inserida em sua comunidade religiosa, tem cargos ou ministérios, direitos, pode votar e questionar, se torna alguém influente, ela não vai notar o racismo em sua comunidade. É o lugar onde ela não é rejeitada. Então, falar de racismo parece uma coisa de gente radical. Afinal, é na igreja que o indivíduo se sente sujeito. Isso dificulta muito a reflexão sobre o racismo.

Qual é a possível relação - se é que ela existe - entre o Movimento pelos Direitos Civis nos EUA e o crescimento do pentecostalismo no Brasil?

Não vejo relação do movimento pelos direitos civis nos Estados Unidos e o pentecostalismo no Brasil. Nenhum mesmo.

Pode-se argumentar que o protestantismo promove um fortalecimento da dignidade individual? Que de algum modo a religião oferece uma identidade mais interessante ao preto ou pardo brasileiro do que a identidade associada à escravidão e à subalternidade?

Não acho que o pentecostalismo traga a identidade negra ao pretos que fazem parte das igrejas. Até porque isso é negado. Vejo sim que a africanidade e a negritude está presente, mas não é algo consciente. A subalternidade oriunda da escravidão ainda persiste. Há uma condição que se mantém de subalternidade quando os membros destas igrejas rejeitam as suas identidades negras e muitos querem se comportar como brancos. Mas há o empoderamento através das falas de poder individual e possibilidade de crescimento. Isso foi muito importante para pretos e pretas. O problema é que ter a possibilidade de manifestar a fé e crescer socialmente, por exemplo, está muito associado ao distanciamento das questões da negritude. Isso para mim ainda está atrelado a subalternidade advinda da escravidão

O que quer dizer uma “teologia negra”?

Falar de teologia negra em pouco espaço é difícil. Mas digamos ser uma teologia americana surgida em 1969, antes da teologia da libertação, que tem os oprimidos como fonte hermenêutica. Ou seja, a leitura e pregação bíblica tem como ponto principal as pessoas pobres e oprimidas. No caso, os negros. A Teologia Negra se expandiu para todo o mundo. Onde tem oprimidos a teologia negra está presente. A revelação de Deus não está em conceitos racionais, mas na realidade das pessoas negras que sofrem. É na realidade que se percebe Deus se revelando. Por isso, Jesus se fez negro e pobre. O Espírito Santo é libertador. E motiva os cristais à libertação de tudo tipo de opressão. Social, política, gênero, etc.