Jovem evangélico vai de Ludmila e Anitta ao gospel

Há alguns artistas, desde os primórdios do movimento musical gospel, que fazem uma ponte entre a cultura pop e a religiosa. A banda Rebanhão, nos anos 80, foi pioneira, com rock gospel, de letras despojadas e críticas da realidade. Outra banda, a Catedral, nos anos 90 e início dos 2000, seguiu pelo mesmo caminho, até mesmo gravando canções não religiosas ao mesmo tempo em que cantava o gospel. Mais recentemente, a Priscila Alcântara tem se destacado ao fazer este movimento. Ela, diferentemente dos "antigos", é também Youtuber, o que a aproxima às demandas jovens do tempo presente. Há outros como o veterano Kleber Lucas e o mais jovem, Leonardo Gonçalves, por exemplo, que seguem nesta trilha. O que estes artistas têm em comum é a trajetória inicial no universo religioso, nos moldes da cultura musical religiosa histórica, inserida nas fronteiras do "sagrado", que foi se transformando, com o alargamento, e até com o rompimento, dessas fronteiras a partir de uma interação como o "profano".

Estes artistas descobrem que não há oposição entre sagrado e profano mas sim um entrelugar (como bem desenvolve o estudioso da cultura Hommi Bhabha), um diálogo cultural entre o que é pop, "mundano", inserido na realidade e no cotidiano das pessoas, e o que é gospel, religioso, referente à fé, e que pode responder a esta realidade e cotidiano.  Estas pessoas também têm em comum a oposição do mainstream evangélico e da cultura gospel que reproduz concepções e discursos que pregam a separação com o cotidiano e o mundano, que deveria ser "evangelizado". Por isso, sofrem muitos ataques, mas seguem com um público que se identifica com sua proposta e revela que a juventude evangélica não é igual a dos anos 70.

Mas o jovem evangélico (mesmo essa categoria sendo extremamente imprecisa) abraça artistas populares como a Ludimila, que é lésbica e se identifica como evangélica? esse jovem tem perspectivas diferentes dos pais deles em relação, por exemplo, ao tema da sexualidade, da homoafetividade, do aborto?

Os evangélicos são marcados pela diversidade. Isto se dá em todas as faixas etárias. O DNA dos evangélicos é conservador na moralidade, na teologia, nas ideologias. Historicamente, desde a formação da União Cristã de Estudantes do Basil (UCEB) de base evangélica,  nos anos 1930, podemos observar a existência de jovens que rompem com preceitos das famílias e das igrejas e se abrem para a superação da repressão do corpo, o que inclui o prazer em todas as dimensões - ócio, lazer e sexualidade. Sempre foram grupos minoritários, pois não é fácil romper com as tradições. Mas tem sido expressivos, marcantes e fazem barulho. No passado, estes grupos abraçaram movimentos culturais como o hippie, a tropicália, a jovem guarda. Hoje, estes grupos abraçam as tendências da cultura pop, o funk, o pagode, o sertanejo,  que estão aí na mesma linha.  Isto inclui Ludmila, Anitta, e outras figuras que fogem ao padrão da moralidade evangélica. Seguem sendo minoria mas fazem barulho.

Uma pesquisa Datafolha de 2016, com pessoas de 16 a 24 anos, mostrou que 30% de jovens evangélicos eram a favor do aborto e 28% do casamento gay. 40% não conseguem seguir completamente a recomendação de suas igrejas para “não beber”. 43% dos jovens evangélicos levam em consideração conteúdos da TV e da internet considerados impróprios e apenas um terço se preocupa com as recomendações doutrinárias sobre o estilo das roupas que usam no dia-a-dia. Taí a dimensão contestatória e a incompatibilidade entre juventude e os fundamentalismos que se acirram. Estes jovens nos últimos 20 anos tiveram mais acesso à Universidade e a todo um mundo via internet que os desincompatibiliza com o conservadorismo que marca o evangelicalismo historicamente.