Eleições e lembranças da Argentina

Eleições e lembranças da Argentina


Vivi na Argentina por três anos e meio. Era tempo dos Kirchner. Primeiro mandato da Cristina se não me engano. A inflação já era alta e a desconfiança frente ao peso também. Contudo, acontecia algo que eu não via no Brasil: os salários e as bolsas de pesquisa eram reajustadas com frequência. Havia um esforço para manter o poder de compra da população.
Durante esse tempo frenquentava a igreja Rey de Reyes em Buenos Aires. Ouvia frequentemente menções do pastor ao crescente acesso à parlamentares, governadores e outras autoridades públicas. Percebia que ali não havia ainda uma inserção dos evangélicos na política tal como ocorria no Brasil. Com esses contatos, a liderança da igreja tentava viabilizar uma ação social que levava caminhões de doações para estados mais afastados e pobres do país. A ação social e a ajuda ao próximo eram as consignas.
O que me chamava a atenção era o radicalismo do cenário político argentino. Muitos anos antes de ouvir falar em lulismo aprendi a me acosturmar com o kirchnerismo. Não havia outra opção, ou se estava de um lado ou de outro, contra ou a favor. Um radicalismo muito profundo.
Um ponto que sempre considerei positivo foi a política de Direitos Humanos. Foram fundo no julgamento de autoridades civis e militares que protagonizaram os assassinatos e torturas por motivos políticos. Parte dessa política tornou possível a construção de um lugar como o Parque de la Memoria. Trata-se de um museu a céu aberto, com esculturas que remetem aos crimes de Estado praticados durante a ditadura. Às margens do rio da Prata, nos convida a levar uma toalha, sentar no gramado, apreciar a vista e refletir sobre que tipo de igreja queremos.


João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina. Contato: joao.barros@unila.edu.br.