Meninos pintam unhas? Reflexões sobre moda, gênero e fé
Reparei ultimamente alguns meninos com unhas pintadas. Chamou minha atenção o fato de serem meninos que, aparentemente, não tinha feito uma opção de gênero diferente. Simplesmente pintavam as unhas como se pinta o cabelo ou se usa um brinco. Procurando, encontrei informações sobre um movimento chamado Polished man, iniciado por um empresário que conheceu, no Camboja, uma menina que havia sofrido abuso sexual. Durante a interação entre os dois, ela perguntou a ele se poderia pintar suas unhas. Isso o inspirou a começar uma campanha para arrecadar fundos com o objetivo de assistir crianças que passaram pela mesma situação. O símbolo da campanha são homens com as unhas pintadas.
Escutando algumas mulheres evangélicas, elas relataram que isso pode ser percebido de modos diferentes por quem pinta as unhas. A primeira seria encarar como algo bom ou inofensivo. Como alguém que segue a moda e não se importa muito de onde vem. Não tem nada de mais se considerarmos que vivemos em uma época na qual as coisas são fluídas, os valores são questionados e a marcação de papeis entre o masculino e o feminino é menos rígida. Por outro lado, pondera uma delas: “mas isso pode ser entendido também como um movimento mais amplo que visa a destruição tanto do feminino quanto do masculino. Como se fosse a criação de uma androginia sobreposta aos papeis de gênero aceitos por muitos como naturais”.
Outra delas, que é líder de adolescentes em sua igreja, disse que não lhe causa muito espanto ver um adolescente com unhas pintadas. “Eu perguntaria a ele por que ele faz isso. Por que ele se interessa por algo que é feminino. Porque hoje muita coisa tem uma pauta progressista por trás. Eu tenho curiosidade de saber por que um menino, que se vê como menino, se interessa por uma coisa de menina, que tradicionalmente é do universo feminino.”
Todas elas mencionaram outra moda: o cropped. Meninos de camisetas curtas mostrando a barriga. Mais um exemplo usado por elas para afirmar essa tendência atual em apagar as fronteiras entre o masculino e o feminino. Interessante notar que o cropped, por exemplo, já apareceu em um filme da série Rock Balboa há quase 40 anos. Um dos coadjuvantes usa uma camiseta bem curtinha para treinar. Essa dinâmica entre moda e épocas diferentes está relacionado com uma fala de uma das entrevistadas: “Na época de Luís XV, o salto alto para homens era símbolo de poder, sendo uma prática comum na corte. Com o avanço da sociedade burguesa, os adornos foram ficando restritos à esfera feminina. Caberia a eles tudo que demonstrasse sobriedade e racionalidade”.
E o que faria Jesus?, perguntei. Na fala delas ficou claro que Jesus não demonstraria desaprovação com as pessoas que aderiam a essa moda. “É claro que Jesus se importa com a roupa que vestimos ou com a aparência, mas muitas vezes as pessoas não se dão conta das consequências desses hábitos. Não seria correto afirmar, contudo, que aceitar a Jesus não implique mudanças. Por outro lado, há pessoas que deliberadamente tentam influenciar a moda ou a cultura com esse propósito de exercer uma crítica”, disse uma delas. Ela menciona o caso de uma pessoa que trabalhava com desenhos animados para crianças e disse colocar propositalmente mensagens críticas ao capitalismo no conteúdo que produzia. “Isso sim é errado”.
Tive a impressão de que há um clima de perene desconfiança. Parece que o crente precisa estar atento a essas tendências do mundo, como se elas fossem um risco em potencial para a vida cristã. Será que, como cristãos(ãs), estamos perdendo a capacidade de conviver com outras culturas sem nos sentirmos ameaçados(as)? Essa pergunta me faz lembrar de uma fala de Tim Keller (1950-2023). Em um de seus livros ele nos incentiva a construir pontes. Como se nossos mundos precisassem de canais por onde pudéssemos interagir, conviver e disfrutar da graça comum que está entre nós.
*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.
João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina. Contato: joao[ponto]barros@unila[ponto]edu[ponto]br .