“Não existe ódio maior que o amor cristão”
“Não existe ódio maior que o amor cristão”. Essa frase, escrita pelo humorista Antonio Tabet, um dos criadores dos canais “Desimpedidos” e “Porta dos Fundos”, está como epígrafe de um vídeo, postado em seu Twitter, no qual um pastor, Tupirani da Hora Lores, líder da “Igreja Pentecostal Geração Jesus Cristo”, roga a Deus para que integrantes do judiciário brasileiro sejam “massacrados” com toda sorte de males. O dito pastor, inflamado pelos gritos de “aleluia” e “glória a Deus” da sua plateia, dentre tantos pedidos nefastos, ora para que os integrantes do “maldito STF” morram, porém não de causas naturais, pois, na percepção do líder religioso, isso seria pouco, mas “[...] que seus ossos apodreçam e que tenham que ser carregados em cima de [...] cadeiras de rodas”, como decorrência de alguma doença ou vírus.
Tamanha violência, associada ao ódio e ao desejo de ver o sofrimento alheio, manifestada no púlpito de uma igreja cristã evangélica é uma absurda contradição com o que as Escrituras nos ensinam, mas, infelizmente, algo com o qual membros e frequentadores desses lugares já estão se acostumando. É bem verdade que, empiricamente falando, o que sempre vimos em alguns desses espaços foi a convivência pacífica com discursos de ódio e falas preconceituosas sob o disfarce de “posicionamento teológico” ou camuflados nos “louvores”, mas de claríssimo teor belicoso, revanchista, além de discriminatório, bem distante do espírito do evangelho cuja norma é a abertura ao diferente e o amor aos inimigos, externados no sincero ato de orar para que estes sejam abençoados.
Indubitavelmente, essa agressividade, tão evidente na “súplica” do pastor, acentuou-se ainda mais nesses últimos anos como consequência, a meu ver, da aliança político-partidária de uma generosa fatia da igreja cristã evangélica com o atual presidente, cujo distintivo principal é o sinal de uma arma, feita com as mãos, bem como a questionável tese da liberdade absoluta para se dizer o que “der na telha”.
Por mais que não devamos ingenuamente associar toda e qualquer forma de violência, como atestada na “oração” do referido pastor e levada às últimas consequências no assassinato do tesoureiro do PT, Marcelo Arruda, no dia 09 de julho, em sua festa de aniversário, a um“efeito Bolsonaro”, não dá para ignorar o fato de ambas situações terem sido protagonizadas por defensores e apoiadores do atual presidente e de suas estapafúrdias ideias. Basta observar a frase “eu não sou vacinado”, estampada na camisa do pastor, enquanto imprecava maldições contra os membros do STF.
Na verdade, a adesão cega e acrítica de muitos líderes ao projeto do atual governo tem feito muito mal a esses líderes, mas, sobretudo, às pessoas para quem semanalmente discursam em suas igrejas. Além disso, posso afirmar, com base na minha experiência pastoral e nas minhas vivências como docente na área da Teologia em igrejas e seminários evangélicos, a existência de uma enorme confusão entre “conscientização política”, algo necessário e salutar até mesmo no espaço eclesiástico, com “orientação/doutrinação político-partidária”, pela qual muitos desses líderes impõem aos seus liderados o seu “político de estimação”, desrespeitando o perfil politicamente plural de suas membresias, num evidente gesto antidemocrático.
Junto a isso, a noção maniqueísta de que estamos numa guerra do “bem” contra o “mal”, que a “esquerda” é a razão de todas as desgraças da nação, que precisamos conter uma suposta ameaça do “comunismo”, “defender a família” (algo muito recorrente nos discursos que fomentaram o golpe de 64), garantir a nossa “liberdade”, além de proteger nossas crianças da famigerada “ideologia de gênero”, tais ideias acabam por gerar cristãos extremamente intolerantes, inimigos do diálogo e até violentos com os que ousam externar opiniões divergentes, o que constitui uma enorme contradição. Afinal, enquanto cristãos, assumimos a condição de seguidores de Cristo, ou seja, de uma pessoa cujas palavras e vida representou e continua a representar um contraponto a tudo isso.