Não somos daqui, mas estamos aqui: o jovem cristão e a cultura
Eu cresci em um lar onde havia uma presença cultural muito forte. Minha mãe, professora, teóloga e escritora, me incentivou desde cedo a ler, pesquisar e buscar outras fontes de literatura além das recorrentes nas classes de EBD. Meu pai, teólogo, pastor e músico, mesmo me apresentando aos cantores clássicos do gospel brasileiro, sempre me falava sobre os grandes cantores e músicas que nós, evangélicos, teimamos em chamar de “seculares”.
Crescendo, meu gosto cultural foi se formando independente do que meus pais me apresentaram. Meus livros nem sempre seguiam os modelos dos livros da mamãe e minhas músicas fugiam do que me foi oferecido quando mais jovem. Minha lista de leitura e o meu perfil do Spotify são uma bagunça, mas isso graças a tudo o que pude absorver de um lar culturalmente ativo.
Entretanto, entrei em diversos conflitos internos quando percebi que o que eu consumia como cultura fugia muito do normativo dentro da igreja. Enquanto meus amigos estavam lendo Billy Graham ou a não ficção de C.S. Lewis, eu estava obcecada pelo mundo dos russos com Tolstói ou vivendo os loucos anos 20 com Fitzgerald. Enquanto meus amigos estavam consumindo os clássicos do gospel dos anos 2000, eu estava bem interessada no que Kanye West tinha para dizer ou nas narrativas de Taylor Swift.
Quando Vinicius, nosso curador, me enviou a proposta sobre a relação do jovem cristão com a cultura pop, eu pensei “ok, o que escrever sobre alguém que fugiu da curva?”. E então, recordo-me das palavras do teólogo e professor Rainerson Israel: “o crente precisa estar onde a cultura está”.
Aqui, não faço qualquer incentivo de afastamento da cultura gospel. Muito pelo contrário! Eu amo um bom worship, as vozes de Feliciano Amaral e dos grupos Elo e Som Maior regem os meus dias, mas me pergunto se os pais, líderes e pastores não estão tão amedrontados de perder suas ovelhas que acabam podando-as, aleijando-as frente à riqueza cultural que existe não só no nosso país, como também em todo o mundo.
Como podemos incentivar uma juventude a pensar criticamente, a analisar suas escolhas e ponderar a aceitação do que lhe é oferecido se os meios são sempre os mesmos, as vozes são sempre uníssonas?
Compreendo, também, a rebeldia dos jovens cristãos estadunidenses do século passado. Billy Graham foi e sempre será, além de um grande evangelista, um ótimo escritor; mas os jovens também tinham sede de ler Jack Kerouac porque precisavam entender o mundo. Não somos daqui, mas estamos aqui. Viver o mundo cristão, gospel, ou seja lá qual nomenclatura seja dada, demanda entender o contexto da sociedade em que vivemos.
Por muito tempo, muito tempo mesmo, vivi sob a culpa de não ser como os outros. Vivi sob a culpa de não estar dentro da norma musical da igreja. E isso fez com que me sentisse uma outsider. Assim como Fitzgerald define seu protagonista em O Grande Gatsby. Entretanto, eu sei que há um Deus que deseja ver seus filhos culturalmente ricos. Entender isso levou algum tempo, mas compreendi que conseguir encontrar palavras divinas na poesia de Conceição Evaristo ou a necessidade de um expoente que possa impactar uma geração através dos escritos de Joan Didion só é possível quando nos damos a chance de conhecer o que estão dizendo “lá fora”.
Cultura não é um palavrão ou um antro de perdição. Cultura é a manifestação do Deus plural. Cultura é sobre o que Deus fez no Pentecostes. Graças a Deus, cultura é a forma humana, terrena e imperfeita da demonstração do seu amor a nós.