O Movimento Pentecostal e o (des)preparo teológico

O Movimento Pentecostal e o (des)preparo teológico

Na semana da Reforma Protestante o querido Professor Juliano Spyer publicou uma coluna na Folha SP em que trouxe à baila uma indigesta questão que perpassa o movimento evangélico brasileiro, qual seja, o do provável elitismo com que denominações históricas do protestantismo lidariam com o movimento pentecostal e neopentecostal. É verdade que os reformadores manifestaram certa dificuldade e preconceito contra os chamados entusiastas, os quais, grosso modo, encontrariam seu par equivalente nos pentecostais de hoje. Neste sentido, talvez se pudesse tentar traçar uma linha histórica que evidenciasse esse preconceito. Em tempo, lembro que o elitismo aqui estaria associado não só ao acesso ao saber, mas também à comparativa formação socioeconômica da membresia que compõem as respectivas comunidades.

Ao que me parece, certo elitismo social pode ser visto em comunidades neopentecostais, cujo crescimento observa um minucioso plano estratégico que objetiva alcançar a classe média alta e os ricos. Estamos falando do projeto expansionista de denominações como Sara Nossa Terra e Igreja da Lagoinha, cujos locais de reuniões estão circunscritos a endereços nobres, não incidindo sobre a periferia e comunidades faveladas. É um “evangelho” para a nobreza, para a elite.

Bem verdade que, do protestantismo histórico, podemos alinhavar no grupo elitista os presbiterianos. Desde Max Weber, observa-se que a burguesia tem forte identificação com o calvinismo. No entanto, diga-se de passagem: os templos presbiterianos não estão restritos às áreas nobres das cidades, nem tampouco a totalidade de sua membresia seria composta pela “burguesia”.

Os demais grupos do protestantismo histórico como congregacionais, batistas e metodistas, experimentaram, na maior parte de suas comunidades de fé, uma ascensão social oriunda da evolução patrimonial dos seus membros. O fato de terem fiéis abastados foi mais um acidente de percurso do que um deliberado projeto, uma vez que o programa inicial de ganhar as elites pelo ensino nos colégios confessionais, não logrou, naquele primeiro momento, o êxito almejado.

Resta-nos tecer alguns apontamentos sobre a elitização do saber, no caso, do conhecimento teológico. Faço esta inserção com muito cuidado e respeito ao movimento pentecostal.

Penso que a valorização da teologia é uma das heranças da Reforma Protestante. Desta feita, quanto mais próximo um grupo estiver do ideário e do espírito da Reforma, mais valorizada será, por este segmento, o preparo teológico.

É aqui que encontramos o que pareceu ser uma dificuldade inicial no movimento pentecostal, no tocante ao preparo teológico, o que forneceria certo argumento para mentes preconceituosas. Suspeito que esta dificuldade inicial está atrelada a três fatores:

a) Segundo o saudoso Dr. Antônio Gouvêa Mendonça, a pretensão e marca do pentecostalismo residiria em um modelo de repetição das experiências bíblicas. Se está na Bíblia um bom pentecostal desejaria viver aquela mesma experiência. Por isso o Pentecostes se repetiria na experiência individual de cada um, daí a expressão pentecostalismo. Assim sendo, os pentecostais se veriam mais como herdeiros da Igreja Primitiva do que como netos da Reforma Protestante, com todas as implicações que esta ascendência traz;

b) Um segundo fator estaria atrelado à mística pentecostal. Um pregador pentecostal é literalmente usado pelo Espírito Santo na hora de sua homilia. Este recurso ao Espírito traz uma dupla consequência: a primeira, a desconfiança de que preparo demais pode atrapalhar a espontaneidade, a liberdade do Espírito Santo; a segunda, certa desconfiança com a pesquisa acadêmica, com o preparo intelectual, uma vez que eles simbolizariam uma “armadura de Saul”, para o pregador;

c) O último fator, derivado do segundo, estaria ligado à identidade pentecostal. Há certa dificuldade para muitos do pentecostalismo em transitar entre o preparo e o carisma. Novamente, o carismático é atrelado ao improviso, o qual autentica a manifestação espiritual, quando da sua ocorrência.

Mas isto se trata de uma dificuldade inicial. O movimento pentecostal não se reduz, evidentemente a essa aspecto, a esta dificuldade ora apresentada. Ao longo das últimas duas décadas, não foram poucos os cursos de teologia patrocinados por Assembleias de Deus organizados e chancelados pelo MEC. Me recordo do testemunho do erudito professor Martin Dreher (luterano), em uma conversa após uma banca na UFJF/MG, quando da sua visita a uma faculdade de teologia das Assembleias de Deus de Joinville. No seu comentário ele deixou evidenciado de como ficara impressionado com os alunos e professores daquela instituição, desfazendo aquela visão inicial quanto ao (des)preparo teológico dentro do pentecostalismo. Muitos outros cursos reconhecidos pelo MEC estão em vigor, como o da FAECAD aqui no Rio de Janeiro, a FABAD em Pindamonhangaba-SP.

De igual modo, há pentecostais que produzem uma fina teologia. Falo especialmente, mas não somente, de Gedeon Freire de Alencar e David Mesquiati de Oliveira.

Ao fazer este registro, tanto dos cursos quanto dos pesquisadores, queremos tão somente evidenciar a complexidade que é o movimento evangélico, inclusive o pentecostalismo. O único lamento, se me é permitido fazê-lo, é que parte destes cursos foram cooptados pelo fundamentalismo estadunidense. E aqui, caros leitores, creia em mim: entre a formatação rígida do fundamentalismo e a espontaneidade pentecostal, com todos os possíveis senões aos ouvidos, o segundo é infinitamente melhor do que o primeiro. Por uma única razão: na espontaneidade pentecostal o Espirito se manifesta. Já no fundamentalismo, quando ele aparece é em um caixão, em rito meramente saudosista e memorial.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas. Contato: sdusilek@gmail.com