O papel das comunidades de fé na vida social e política
A dinâmica das comunidades de fé no Brasil é uma faceta complexa que exerce grande influência social e política. Dentro dessas comunidades, os membros encontram apoio mútuo e uma rede de segurança que vai além do espiritual, tocando profundamente a vida cotidiana de cada um. Este texto explora as nuances dessas interações, suas implicações positivas e negativas, e como elas moldam a vida de seus participantes.
Um membro de igreja dificilmente fica sem gás, sem luz, sem comida em casa. E ainda ouso dizer que dificilmente todos os membros daquela família ficam desempregados ao mesmo tempo. Uma família que frequenta a igreja – seja só a mulher e os filhos, o casal com as crianças pequenas, ou o jovem provedor para os pais e irmãos mais novos – sempre encontra apoio na comunidade. A igreja vai apoiar essa família, arranjar um emprego para alguém, prover alguma possibilidade de sustento, e continuar a fornecer o básico enquanto for necessário. Isso é um dos "para o bem".
A comunidade de fé tem uma responsabilidade social com seus membros. Não os deixa vulneráveis. Se precisam de tratamento de saúde, é raro não conseguir. Se precisam de acompanhante no hospital, sempre tem alguém disponível. Se precisam de um lugar para velar um parente, a igreja abre suas portas, providencia o café, o lanche, um lugar para a família descansar. Muitas igrejas têm casas pastorais ou de zeladores contíguas ao templo. Eu já morei em muitas. O pastor e sua família, ou o zelador e sua família, são os "plantonistas" nas emergências. E também nas comemorações.
Aniversários, casamentos, dias especiais, almoços comunitários, reuniões formais e informais, trabalhos com crianças – a igreja está presente em todos esses momentos. Por exemplo, é muito comum as igrejas realizarem a "Escola Bíblica de Férias". Por uma semana, nas férias, as igrejas abrem suas portas e acolhem crianças da comunidade, proporcionando atividades durante o dia todo ou meio período. Imagina que "mão na roda" isso é para quem tem filho e trabalha fora.
Nas igrejas, o crente encontra, de forma extremamente acessível, possibilidades que são difíceis de encontrar "no mundo". Tem música para cantar, para todas as idades. Os corais e grupos musicais ensaiam e se apresentam. Há instrumentos musicais que podem ser tocados e aprendidos. Tem teatro para diversas ocasiões, como Páscoa, Natal, Dia dos Pais, Dia das Mães, e qualquer outra data relevante ou inventada. Há possibilidade de aprender a ser professor ou professora, cozinhar para 100, 200 pessoas – eu aprendi. E fora dos trabalhos "espirituais", sempre há uma classe de alfabetização de adultos, uma de pintura em tecido, uma de arte com sucata ou bijuteria.
O crente sempre tem comemoração de aniversário. As pessoas são importantes na igreja. O pastor, que é o líder, aperta a mão de todos, visita as casas, por mais humildes que sejam. Então, aí entra o "para o mal". Como é que você, humilde, desimportante para o "mundo", cujos filhos aprenderam a tocar piano ou violão na igreja, que teve sua sogra doente visitada pela comunidade, que carregou a alça do caixão do seu tio, como é que você não vai seguir o conselho desse líder na hora da eleição?
Essa rede de apoio, embora fortemente benéfica, também carrega o potencial de manipulação política. A influência do líder espiritual, que se estende além das paredes da igreja, molda a opinião e as ações de seus membros. Este poder pode ser usado tanto para o bem, como no apoio social, quanto para o mal, na manipulação de votos e decisões pessoais.
Em resumo, as comunidades de fé oferecem um suporte vital para seus membros, criando uma rede de segurança que cobre diversas necessidades. No entanto, essa mesma estrutura pode ser explorada politicamente, mostrando como o poder das igrejas vai muito além do espiritual, impactando profundamente a vida social e cívica de seus participantes.
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Lília Sendin, desigrejada, Servidora pública, formada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina.