Ocultismo gospel

Para a geração gospel que aí está sempre há algo oculto, misterioso, infernal, subjetivo, subliminar em tudo o que não tem a chancela da igreja. Nessa lógica, somente alguns iniciados conseguem ter acesso pleno a estes mistérios.

Ocultismo gospel

Sim, prezados leitores. A leitura que vocês fizeram do título está correta. É ocultismo mesmo. Bom, pelo menos tem cara, cheiro, jeito, vocabulário e estrutura de ocultismo. Para a geração gospel que aí está sempre há algo oculto, misterioso, infernal, subjetivo, subliminar em tudo o que não tem a chancela da igreja. Por esta razão, somente alguns iniciados conseguem ter acesso pleno a estes mistérios, os quais são entregues em doses homeopáticas a um público que, se já tem comichão pelo "fuxico gospel", quanto mais pelo oculto...

No pacote do xamanismo pastoral gospel cabe sempre o anúncio de um novo estágio, normalmente vendido na forma de curso ou financiado a toque de oferta pelas redes sociais, e que implicaria em coisas que, não só representariam a entrada do demônio na vida de uma pessoa, como teria poder para ameaçar a humanidade. Sim, meus queridos leitores, para o gospel médio, o grande "reset" tem poder destruidor maior do que o desmatamento, do que a não preservação dos biomas, sendo o da Amazônia o mais significativo.

Com olhos bem abertos para alucinações, mas incapazes de enxergar a realidade, tais feiticeiros da fé já encontram o mal no boneco Fofão, no vinil (sempre ao contrário) do Menudo e da Xuxa, na eleição de Lula e agora na música do Coldplay. Não veem a fome do seu povo, a guerra, o sofrimento, a morte. Paradoxalmente conseguem notar os movimentos das "potestades do ar". Isto porque para tais iniciados, somente eles possuem a habilidade sensorial de perceber as vibrações do inferno embutidas no substrato cultural, nas notas musicais, por exemplo. Desta feita, lhes caberia avisar os demais para que não fossem captados e cooptados pelo feitiço dos atuais "flautistas de Hamelin".

Para tais iniciados, alguns com status de apóstolos e episcopisas, o anticristo já estaria nesse mundo. Essa turma que não consegue nem discernir um anticristo quando se apresenta ao lado, como saberia identificar O anticristo? E mais: este tipo de crente que abraçou anticristos ao longo da história, como foi o caso de Hitler na Alemanha, teria (e terá), a meu ver, seríssimas dificuldades de rejeitar a Besta (Ap. 13) que terá o poder de iludir com grandes prodígios, até mesmo os que congregam como família de Deus.

A gravidade disso, para o meio gospel, é que a presença do anticristo seria um indicador paulino da proximidade apocalíptica. Entretanto, o que na verdade perturba é saber como tais santarrões tiveram essa informação, uma vez que Deus nunca se preocupou com a agenda do Diabo. A explicação mais plausível, fora da noção de alucinação, seria uma conversa com as forças de lá, do mal. Só que admitir esse contato traria um problema para essa turma que enxerga entre o céu e a terra, com relatos de arrebatamentos que mais lembram as viagens astrais de Shirley MacLaine.

E é assim, com os olhos esbugalhados tal qual a princesa Aurora sob feitiço, é que os adeptos do gospel seguem rumo às novas revelações dos iniciados, num verdadeiro ocultismo gospel. O problema é que além de desviar o foco da realidade, tal xamanismo não produz qualquer impacto na guerra contra o pecado (Colossenses 2).

Na verdade o ocultismo gospel produz uma guerra espiritual tipo videogame: parece que você está matando vários demônios com o joystick e o teclado; no entanto, uma vez terminada a fase ou a partida, desligado o computador, o tablet, ou mesmo o celular, você percebe que o mal continua forte em você.

Foi Jesus mesmo quem disse que do "coração do homem é que procedem os maus pensamentos, homicídios, adultérios, imoralidade sexual, furtos, falsos testemunhos, blasfêmias" que é justamente o que "contamina" o ser humano (Mateus 15:19,20).

Ao que tudo indica, o ocultismo gospel, no afã de vencer o mal, esquece justamente de lidar com o oculto que mais ameaça o ser humano: sua interioridade não resolvida, apascentada.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.