Por que a religião mais popular entre afrodescendente é racista?

À medida que a gente vai falando do racismo na Igreja Evangélica, as pessoas vão abrindo os olhos. O assunto é delicado e alguns querem fugir disso, não mexer nesse vespeiro, dizer que isso não existe entre cristãos, sobretudo os brancos, sob a justificativa de que falar sobre racismo promove a divisão dentro das igrejas. Ao mesmo tempo, essas pessoas sabem que há diferenças de acesso a determinados círculos de decisão e poder, que os negros são maioria nas igrejas, mas tem pouca representação nas lideranças das Igrejas. Então, o primeiro passo para tratar esse assunto é admitir que essa questão existe e está entranhada no protestantismo que se disseminou no Brasil.

O racismo é explícito e pode ser observador, por exemplo, na humilhação que sofre quem é da igreja e decide abraçar elementos africanos como o cabelo dread, tranças, turbantes, essas coisas todas, porque o ethos evangélico demoniza a africanidade.

A seguir vou falar sobre as várias influências, na história e na teologia por exemplo, que motivam a existência do racismo nas igrejas protestantes históricas e também pentecostais.

Primeiro, é importante lembrar que o protestantismo é um desdobramento do catolicismo. E por mais que haja diferença entre um e outro, existe também muitos elementos que o protestantismo herdou dos católicos. E a Igreja Católica embranqueceu vários teólogos importantes de origem africana como Agostinho, Atanásio e Tertuliano. A Igreja Católica enbranqueceu não apenas as ideias deles, mas também retirou o aspecto físico da africanidade desses teólogos.

O cristianismo é geralmente percebido como sendo uma religião de origem europeia, e essa tradição "esquece-se" que os coptas produziram as primeiras organizações cristãs dois séculos depois a morte de Cristo, na Etiópia. A fé cristã chegou ao Brasil pela Europa branca, mas teve origem na Palestina e sofreu muita influência teológica e histórica de cristãos do norte da África. Reconhecer essa tradição e essa história é uma das chaves para tratar do tema do racismo nas igrejas evangélicas.

Além disso, a teologia que chegou ao Brasil vindo dos Estados Unidos e da Europa, com uma força maior da teologia norte americana, é uma teologia da supremacia branca, ou seja, que entende (conscientemente ou não) que o branco é superior ao negro, e que chegou aqui vinda sobretudo do sul dos Estados Unidos. Essa influência missionária acontece, no século 19, no período do acirramento do racismo provocado pela derrota dos estados americanos do sul na Guerra de Secessão. Portanto, a teologia que foi trazida vinha com a percepção sobre as relações raciais fundado na supremacia branca.

E a Igreja Pentecostal, depois da neopentecostal, formada por pastores formadas nas igrejas históricas, não fugiu da presença dessa teologia branca, racista e dicotômica, que divide o mundo entre bem e mal, e onde o mal é sempre o "outro", o diferente, que principalmente é, no Brasil, o preto, o africano.

Curiosamente, esse racismo às vezes também envolve uma apropriação de práticas originalmente africanas. No pentecostalismo e no neopentecostalismo há uma africanidade muito profunda ao mesmo tempo em que isso é demonizado. Algumas práticas litúrgicas parecem inspiradas no candomblé. Se você tirar o objetivo adoração ou tirar alguns cânticos, corporalmente vemos a mesma liturgia, incorporações de espíritos, a presença forte da música e da dança, e do transe.

Infelizmente, esses aspectos são escondidos, e aquilo que é explicitamente africano é execrado e demonizado. E no caso do neopentecostalismo em relação à chamada “teologia da prosperidade”, a demonização também é financeira, porque quem não tem dinheiro não é abençoado por Deus e a maioria das pessoas que não tem dinheiro são as pessoas pretas. E, no plano teológico, eles ainda promovem explicitamente o racismo ao dizer que os negros são amaldiçoados porque trouxeram animismo para o Brasil ou então que são a origem da maldição de Cam - claro que essa é uma péssima interpretação das Escrituras Sagradas.

Há racismo na teologia e também na eclesiologia, que é maneira de ser igreja. Por exemplo, quando a igreja proibe ritmos africanos ou não aceita que o fiel cante músicas samba. Mesmo sendo maioria, pretos são desencorajados - salvo algumas exceções – a valorizarem aspectos da sua própria cultura.

Além disso, há também a falta de conhecimento falta de conhecimento em relação ao candomblé, que tem muito da essência cultural africana. Essas expressões religiosas são diferentes e não inimigas. Tem uma amiga minha que é do candomblé e ela fala: eu adoro meu orixá, aí ela e eu temos caminhos diferentes porque o cristão que adora Jesus Cristo. Por esses motivos que existe dificuldades na relação da Igreja com o candomblé e do candomblé com a Igreja também, porque a intolerância não tem um lugar só.

E finalmente existe um último aspecto de conflito relacionado ao sacrifício de animais. O tema é inclusive tratado em uma das cartas do apóstolo Paulo. Há um desentendimento entre fiéis sobre o consumo de carne que é resultado de sacrifícios. Esse também é uma “brecha” na escritura que dá margem para justificar a demonização da cultura e das religiões de origem afro. Meu entendimento sobre isso é semelhante ao de Paulo: - quem não quer comer esse tipo de carne, come legumes. Não há motivo teológico para disputa.

Eu vou sempre orientar a minha igreja a respeitar outras religiões. São tradições diferentes, e não há motivos teológicos que justifiquem o desprezo e menos ainda a violência contra quem não é cristão.