Por que evangélicos compartilham fake news?

A vulnerabilidade em se compartilhar notícias falsas está relacionada, sobretudo, às crenças e às relações de confiança que as pessoas mantêm. Isso pode se dar com sujeitos de diferentes religiões, perspectivas político-ideológicas e graus de instrução. Mas, infelizmente, no grupo religioso com maior presença em grupos de WhatsApp, entre os evangélicos, as fake news acabam encontrando um ambiente fértil para se disseminarem, prejudicando a percepção da realidade social e, por vezes, criando divisões na comunidade de fé.

Os laços entre os crentes normalmente formam uma comunidade de confiança entre irmãos. Isso que é muito positivo para a fé e para as relações psicossociais, acaba por se tornar também uma armadilha se não houver mecanismos educativos para se combater as artimanhas das fake news. Como mostrou a pesquisa “Caminhos da desinformação”, publicada em 2021 pelo Instituto NUTES da UFRJ, praticamente metade dos evangélicos, 49% dos entrevistados, afirmou ter recebido conteúdo falso ou enganoso nos grupos relacionados à sua igreja.

Para além das consequências políticas e sociais, a própria comunidade de fé sofre com conflitos por conta do compartilhamento de conteúdos falsos. Um número significativo de pessoas, 21,7%, apontaram na pesquisa citada que “as situações relacionadas à circulação de mentiras levaram a conflitos, discussões ou rupturas”. Combater, portanto, a desinformação é saudável sobremaneira para a convivência entre os irmãos de fé. E os pastores precisam saber disso!

Sim, a educação contra as fake news é urgente nas igrejas evangélicas, e os líderes religiosos são uma peça fundamental. Não é à toa que o TSE, no último dia 6 de junho, fez acordo com lideranças religiosas para combater a disseminação de fake news nas eleições, momento em que elas mais tendem a se espalhar nos grupos das igrejas. Embora com a ausência de alguns líderes, penso ter sido um passo importante.

Mas por que muitos compartilham conteúdos falsos? Em um ambiente polarizado, quando uma informação confirma o ponto de vista de alguém, ele fica ansioso usá-la como argumento a fim de provar de que está certo. Essa ansiedade faz com que o sistema emocional do sujeito assuma as rédeas do processamento mental, induzindo-a a abrir mão dos critérios de verificação de verdade. Nesse processo, a pessoa cai no que os cognitivistas chamam de “viés de confirmação”: interpreta-se toda informação nova em favor da opinião pessoal.

Mas, afinal, o que torna o falso em verdadeiro? O desejo do sujeito. Eu desejo tanto que a informação seja verdadeira que ela se apresenta a mim numa ilusão de veracidade. Isso se chama “wishful thinking” (pensamento desejoso ou vontade de crer). Porém desejar que algo seja verdadeiro não o torna verdadeiramente verdadeiro.

Para combater esse mecanismo no meio religioso, uma ação fundamental é a igreja mostrar que compartilhar mentiras é contrário aos princípios do evangelho que os próprios cristãos acreditam. Ou seja, deixar claro que Jesus foi objeto de notícias falsas, tanto em torno de seu ministério a ponto de levar à sua morte como após a sua ressurreição. Ora, penso que os evangélicos precisam de teologias que lidem melhor com as fake news e com as interações nos ambientes digitais.

É realmente urgente ensinar aos crentes a ter prudência com o viés de confirmação, lembrando-os de que “enganoso é o coração humano”, de modo que possam duvidar sobretudo das informações que pareçam confirmar a sua crença ideológica. Por fim, é fundamental ensiná-los a buscar a verificação dos fatos em consonância com verdade, afinal, como povoa a mentalidade evangélica, o diabo que é o “pai da mentira”.