Por que evangélicos estão em silêncio em relação a Bolsonaro?

Por que evangélicos estão em silêncio em relação a Bolsonaro?

Na semana em que começou o julgamento que pode tornar inelegível o ex-presidente Jair Bolsonaro, evangélicos pouco se manifestaram sobre o assunto em suas igrejas, nas redes sociais e em grupos de WhatsApp. Evangélicos, acadêmicos e acadêmicos evangélicos analisam os possíveis motivos para o aparente distanciamento dos evangélicos em relação a Bolsonaro.

1. Evangélicos estão em silêncio sobre política e sobre Bolsonaro

O marido da minha mãe é pastor de uma Assembleia de Deus e muito bolsonarista. Ele, pelo menos, não tem falado sobre política e na semana passada comentou que ninguém mais fala de Bolsonaro na igreja. (Pediu para não ser identificado)

Parece que os pastores passaram a atacar mais minorias, gays, para manter o rebanho unido em torno do medo e do ódio. E deixaram de falar em política e em políticos. (Cientista político Miguel de Souza, Igreja Presbiteriana)

Na minha comunidade, há pelo menos três bolsonaristas fiéis, mas nenhum dos três, após o 8 de janeiro, estão postando frequentemente algo referente a Bolsonaro. Creio que eles estão se esquivando por não encontrar mais eco para suas ideias entre os membros da igreja. (Pastor André Neto, Igreja Batista)

Evangélicos que apoiaram Bolsonaro também estão quietos porque o ex-presidente já não conta com a máquina pública e por isso não tem recursos e cargos para oferecer às igrejas. Isso tudo envolve recursos e dinheiro. E isso limita a oferta de posições e de dinheiro. (Samuel Gandara, historiador e evangélico)

Tem se falado muito pouco sobre Bolsonaro e política em geral. Eu acompanho muitos grupos e a única coisa que aparece é uma fala do Flávio Dino ou do Lula quando envolve algum tema relacionado a moral como aborto. Talvez os ataques de 8 de janeiro deixaram muitos evangélicos assustados, foi uma coisa muito forte. (Pastor Alexandre Gonçalves, Igreja de Deus)

2. A população, inclusive os evangélicos, estão sentindo a economia melhorar

Não adianta bater no Lula porque a grande parte dos números estão bons. Então, tenho visto falas nas redes evangélicas dizendo: “Está sendo menos ruim do que a gente esperava”, ou de que “o Lula está com sorte”. Mas cristão não acredita em sorte, acredita na benção de Deus. Na nossa lógica, Lula está sendo abençoado, porque Deus abençoa quem ele quer, mesmo aquele que não é servo. (Pastor Marcos Botelho, Igreja Presbiteriana)

Inflação mais baixa, dólar caindo e expectativa da taxa de juros mais baixa que leva bancos a oferecerem mais crédito pra todo mundo. Tudo isso melhora muito as condições, a qualidade de vida da maioria da população. Isso cria uma impressão de que temos mais dinheiro no bolso. (Cientista político Miguel de Souza, Igreja Presbiteriana)

Muitas políticas sociais atingem o povo crente, por exemplo, o Farmácia Popular, o Bolsa Família. Isso pode afetar a percepção deles sobre o governo. (Pediu para não ser identificado)

É possível que essa situação tenha a ver com a relativa melhora da economia. A provável aprovação do pacote do Haddad dá tranquilidade ao mercado e mesmo quem não acompanha esse tipo de notícia, percebe seus efeitos em termos afetivos. Todos, de um modo geral (evangélicos incluídos), costumam reagir positivamente ao barateamento dos carros populares, à baixa do dólar, do combustível e ao aumento da bolsa. (Socióloga e cientista política Carla Ribeiro Sales, Igreja Batista)

3. O cenário apocalíptico pintado por líderes evangélicos não aconteceu

O comunismo não veio, não aconteceu o caos que foi anunciado por boa parte dos pastores nas igrejas. (Pastor Marcos Botelho, Igreja Presbiteriana)

Lula e seu governo têm evitado discussões do espectro de costumes, contrariando o que líderes evangélicos bolsonaristas disseram que aconteceria.

A ameaça comunista, a perseguição religiosa, a pauta dos costumes e moralidades não foram atacadas pelo novo governo. Todo o discurso que sustentou o apoio dos evangélicos fundamentalistas não se concretizou. (Pastor André Neto, igreja Batista)

O silêncio parece ser uma espécie de constrangimento, por tudo que os pastores bolsonaristas alardearam e que não aconteceu. Em vez da ameaça comunista, a economia sinaliza estar melhorando, Lula vem sendo recebido por lideres internacionais, inclusive pelo Papa. Bolsonaro não teve isso em quatro anos. Então eles estão em silencio, observando e tomando fôlego. (Socióloga e cientista política Carla Ribeiro Sales, Igreja Batista)

4. Evangélicos moderados vem se afastando de Bolsonaro

Existem os evangélicos conservadores que votaram em Bolsonaro e os evangélicos bolsonaristas. O conservador é mais pacífico e a tendência é ele aprovar ou não o lula por causa da economia e não da ideológia. Também houve muita decepção com o Bolsonaro em si, pelo jeito q ele conduziu o pós eleitoral. William D

Há muitos moderados entre evangélicos. Talvez esse seja o maior grupo entre nós. Durante as eleições, com os ânimos acirrados, essa parcela se uniu ao bolsonarismo. Passadas as eleições e com a eclosão de atos violentos de janeiro, esses moderados se afastaram do bolsonarismo radical. (Pastor André Neto, Igreja Batista)

Ao perceber que o movimento se tornou violento, tendo consequências legais, sendo caracterizado pela grande imprensa como movimento golpista e terrorista, os cristãos - devotos da manutenção da boa fama e imagem - ou seja, dos valores historicamente defendidos pelo Evangelho de pacificidade e moralidade, não queiram ser associados aos termos golpistas e terroristas. (Pastor André Neto, Igreja Batista)

Esta semana, em conversa com meu fisioterapia, ele criticou o tom com que Bolsonaro fez campanhas, mas voltou nele justamente pelas pautas, sobretudo por conta do combate à “ideologia de gênero”. (Linguista Lucas Nascimento, Igreja )

Outros motivos

Calmaria depois da campanha: Próximo das eleições as coisas ficam bem mais quentes dentro do campo evangélico. Depois que as eleições passam, isso se dilui. A Bancada evangélica muitas vezes tem um discurso muito intransigente e muito duro nas suas convicções, porque isso alimenta a sua base eleitoral. Mas no exercício do poder, quando esse discurso não é o que conta, eles trabalham para a manutenção e a reprodução do poder. Aí eles ficam mais receptivos a fazer alianças, reformular seus interesses. Veja como Cristiano Zanin, o advogado do Lula, recebeu o apoio de muitos parlamentares evangélicos. (Samuel Gandara, historiador e evangélico)

Atitude do novo governo reduz atritos: Até agora - seja intencionalmente ou por falha de organização - o governo Lula não deu proeminência à discussão sobre a pauta moral. Também não deu muita visibilidade para os evangélicos de esquerda, cuja relação com o restante da comunidade evangélica é ainda mais difícil. Não acho que o eleitor evangélico seja bolsonarista raiz. Mas quando mexe com aspectos centrais da vida espiritual, ele reage. Havendo respeito em relação a isso ou pelo menos uma sabedoria prática, a tendência é que a relação entre governo e evangélicos desinflame. (Pastor Guilherme de Carvalho, Igreja Esperança)

Ex-presidente sumiu das igrejas: Bolsonaro não tem interagido muito mais com as igrejas como na campanha. (Pediu para não ser identificado)

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Juliano Spyer é antropólogo, pesquisador do Cecons/UFRJ, autor de Povo de Deus (Geração 2020) e criador do Observatório Evangélico.