Por que os evangélicos disputam o PL das fakenews?

O mundo evangélico está contaminado pelas fakenews e pela falta de conhecimento, os quais o PL 2630 visa combater. Ao deturparem o combate as fakenews rebatizando o PL 2630 como sendo a reinstituição da censura, deputados evangélicos se distanciam de Jesus, em quem a verdade encontra sua plenitude.

Por que os evangélicos disputam o PL das fakenews?
Crédito: Veja / Cristiano Mariz

Se há uma coisa que tem o potencial de identificação no mundo evangélico, esta coisa é a verdade. Não importa a inclinação política, nem a bandeira denominacional. Se você perguntar, 10 entre 10 evangélicos vão dizer que eles detém a verdade, que conhecem a verdade, que a defendem, e que são identificados por ela. Para o mundo evangélico, a mentira, como bem disse Jesus, tem pai: é o Diabo.

Um sinal desta predileção está na aderência do dístico bíblico usado por Jair Bolsonaro nas suas campanhas presidenciais. Outro sinal está na crescente valorização, por conta do fundamentalismo, da ortodoxia, que nada mais é que um conjunto de dogmas envolto pelo laço da “verdade”. Tanto os evangélicos eleitores de Bolsonaro quanto os de Lula se dizem ligados visceralmente à verdade. Ora, não deveriam todos se unirem para aprovar o PL das fakenews?

Deveriam. Todavia, o mundo evangélico está contaminado pelas fakenews e pela falta de conhecimento, os quais o referido Projeto de Lei visa combater. Estranhamente, os adeptos da mesma verdade que liberta do preconceito e da ignorância, têm se deixado conduzir pelos mais eficazes instrumentos da pós-verdade: os “memes”.

A desinformação começa ao dizer que o PL 2630 é obra do comunismo lulesco. Primeiro, Lula não é comunista; segundo, o PL 2630 é de 2020, período de plena vigência do Governo Bolsonaro. Ele não é obra, portanto, do executivo, mas das casas legislativas.

A desinformação se alastra em meio a ignorância. Vi pastores, líderes, falando as maiores bobagens sobre o PL 2630. Confrontados, patentearam que por trás da bela eloquência, se escondia o desconhecimento do texto do PL. Marca de um tempo em que a arte retórica é mais valorizada do que o conteúdo.

As mentiras sobre o PL 2630 prosseguem sob a alegação de pretensa censura e restrição à liberdade. Li o Projeto. Não há qualquer abertura nele para uma censura. O PL regulamenta, não censura. A diferença? Censura age previamente: só é publicado o que for autorizado para tanto; regulamentação age posteriormente a publicação. O próprio órgão regulamentador, presente no Projeto original, tinha em sua variada composição diferentes quadros sociais, sendo boa parte deles oriundos de carreira de Estado. Nem de longe traz uma coloração de governo. Destaco, ainda, que está expresso no PL 2630 o direito de publicação de conteúdo religioso, entre outros. Vale dizer que o projeto não pune a verdade; ele visa coibir a mentira e a violência nas redes, empregados sob o signo da liberdade.

Ao regular uma terra sem Lei, a saber, das Big Techs, o PL 2630 procura dificultar e até mesmo proteger as nossas crianças e adolescentes de ações de extremistas. Ora, qual cidadão mediano, quanto mais evangélico, em sã consciência, pode ser contra isto?

Não por outra razão que a pesquisa Atlas/Intel indicou que quase 74% dos evangélicos favorecem a aprovação do PL 2630. Paradoxalmente, parece-me que na Frente Parlamentar Evangélica (FPE) a relação é justamente inversa: 26% dos deputados evangélicos, se tanto, são pela aprovação do PL 2630. Ao vê-los (falo dos contrários ao PL 2630), não mais do que vinte deputados da FPE, numa açodada coletiva na última terça (02/05) no salão verde da Câmara dos Deputados, mentindo e se desmentindo, um após o outro, pleiteando o direito de continuarem a mentir, fui tomado por uma indignação tanto estética, quanto ética. Ao deturparem o combate as fakenews rebatizando o PL 2630 como sendo a reinstituição da censura (que uma parte apoia pois é a favor do retorno da Ditadura Militar!), os deputados da FPE que assim fazem se distanciam do grande selo de identificação do mundo evangélico que é a verdade. Se distanciam também de Jesus, em quem a verdade encontra sua plenitude.

Tais deputados esquecem que a mentira tem perna curta. Espero, de igual modo, que a carreira política deles não tenha longa duração. Para tanto, é fundamental que o PL 2630 seja aprovado. A FPE de um metro e meio sabe disso; e este parece ser o seu temor.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas.