Precisamos expandir nosso olhar sobre evangélicos no WhatsApp

Grupos evangélicos fazem usos muito diversos de aplicativos e redes sociais. Em texto publicado no Observatório Evangélico, escrevi sobre como realizar uma pesquisa acerca do consumo de artigos eróticos entre mulheres evangélicas me levou a investigar suas dinâmicas de interação no WhatsApp. Se eram as igrejas que estavam inicialmente em meu foco de pesquisa, deslocar o olhar para outros espaços em que dinâmicas religiosas também acontecem abriu espaço para possibilidades de novas descobertas. Este é só um dentre muitos exemplos sobre como nossas perguntas em qualquer investigação devem estar abertas àquilo que não prevemos encontrar inicialmente.

O que vemos em boa parte de nosso debate público pré-eleitoral é justamente o contrário. Há insistência em centralizar estes usos complexos e originais de aplicativos de trocas de mensagem por grupos evangélicos em torno dos púlpitos. Se antes já era perigoso afirmar que se obedece cegamente às lideranças, muitas análises sobre interações em aplicativos a exemplo do WhatsApp e do Telegram têm mantido este olhar hierarquizante e desatento ao surgimento de protagonismos anônimos, descentralizados da figura de autoridade religiosa estabelecida nos púlpitos.

A ideia mais frequente é de que, com a implementação dos grupos, estes aplicativos passaram a operar como redes sociais em que formas de “ser a igreja”, como sempre afirmaram tantas(os) evangélicas(os), passam a se multiplicar. No entanto, para entendermos a diversidade de formas com que estes grupos ancoram uma relação sem intermediações com Deus no digital, precisamos parar de replicar nossos imaginários sobre a infraestrutura material da igreja ou de qualquer outro espaço religioso no digital.

O reducionismo deste olhar produz efeitos não somente no fenômeno evangélico, mas também nas dinâmicas digitais. Mais do que repetir uma ideia stricto sensu (alguns diriam durkheimiana) de igreja, com suas hierarquias e ritualísticas em constante transformação, podemos nos abrir à escuta de outros modos pelos quais estes espaços estão sendo nomeados. Para muitas mulheres evangélicas com quem convivi durante minha pesquisa de doutorado, ouvir e compartilhar orações, testemunhos, pregações em grupos de WhatsApp, não apenas amplia suas participações na igreja. Entre parte delas, os “grupos de zap” que participam com outras mulheres fornecem reinvenções, rompendo com opressões vividas no espaço eclesiástico.

Estas coletividades recriam sentidos de comunhão partilhados no cotidiano cristão, evidenciando que a igreja é desde sempre lugar de disputa. Entre muitas delas, ouvi incômodos em nomear estes espaços como “igrejas”, preferindo o uso de termos como “ministério”, “grupo de oração”, entre outros. Quando nomeamos estes grupos como “novas igrejas” ou enxergamos repetições das dinâmicas eclesiásticas no digital, enclausuramos as criações ocorridas nestes espaços. O que há são outras formas de ser evangélico(a) surgindo e se atualizando com os usos de gênero, classe, raça e geração dos dispositivos digitais. Para compreendê-las, precisamos desvincular o online do imaginário de um espaço que necessariamente reproduz dinâmicas offline. Ademais, são estes espaços que renovam possibilidades de exercício da fé para “desigrejados”, “desviados”, desiludidos com a convivência na igreja como espaço sagrado de comunhão que foi contaminado pelo “mal dos homens”. Se o online também apresenta práticas disruptivas, os aplicativos de trocas de mensagem são reveladores de mudanças mais amplas em nossa sociedade. Precisamos expandir nosso olhar sobre templos, grupos e aplicativos para compreender as políticas evangélicas nas redes sociais.