Precisamos falar do pastor Lucinho Barreto

Precisamos falar do pastor Lucinho Barreto


Mais ou menos quinze anos atrás eu e alguns amigos saímos de São Paulo e viajamos para Belo Horizonte, a motivação era participar de um culto na igreja Batista da Lagoinha. Nas décadas passadas a igreja Lagoinha ficou conhecida por sua banda Diante do Trono, mas nossa motivação era ver o Pr. Lucinho Barreto pregar. Ele que havia acabado de sair da Igreja Batista Getsêmani e assumido a liderança dos jovens da Igreja Batista da Lagoinha, e estava sendo muito reconhecido por suas pregações com linguagem e temáticas muito jovens, e até mesmo polêmicas.

Mais de dez anos depois, o Pr. Lucinho parece ter saído um pouco de cena. Apesar dos seus mais de 2 milhões de seguidores no Instagram, ele ficou um pouco apagado em uma Lagoinha que produziu Nikolas Ferreira e sustenta a família Valadão. Porém, nesses últimos dias, viralizou um vídeo do Pr. Lucinho em uma pregação para homens, onde ele tem uma fala infeliz, criminosa e perigosa. Ele fala sobre ter dado selinho surpresa em sua filha, entre outras atitudes. Mas não vamos falar necessariamente do vídeo, gostaria de falar do perigo de se naturalizar essas “brincadeiras”.

Após o vídeo se tornar viral, Pr. Lucinho publicou um vídeo em sua defesa. Ele faz o combo clássico pós-cancelamento: “quem me conhece sabe”, “sou brincalhão” e o famoso “tiraram do contexto”. O fato é que existe uma responsabilização do homem público devido as possibilidades de movimentação que suas falas fazem e é aí que mora o perigo. Viver de polêmicas não é uma novidade na vida do Pr. Lucinho, cheirar a Bíblia, envolver-se em política são outros capítulos de sua caminhada. Mas a fala infeliz vem justamente após um feroz debate em torno do caso do Marajó e das denúncias de abusos sexuais em igrejas no Rio de Janeiro e em Belo Horizonte, sem contar a fala infeliz do Pr. Jonas Pimentel.

A fala de Lucinho retrata uma face cruel da cultura do estupro, onde, erroneamente se acredita que para “trabalhar a autoestima de mulheres”, é preciso reforçar atributos físicos, sexuais e sensuais de meninas e adolescentes. Emily, filha do pastor, não é mais uma menina saiu em defesa do pai e do irmão, também de forma perigosa normaliza situações que colocam em risco a integridade de meninas e mulheres em todo o Brasil.

Segundos dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA[1], entre os anos de 2009 e 2019, houve mais de 822 mil casos de estupros no Brasil, a maioria dos casos na faixa etária de 11 a 20 anos, e em segundo lugar a faixa etária de 0 a 10 anos. Desses casos apenas 8,5% são denunciados à polícia.

Falar sobre esse assunto é mais que necessário. Evangélicos e seus representantes políticos se posicionaram contrários às temáticas da educação sexual nas escolas. Mas como crianças e adolescentes que passam por esse tipo de situação podem identificar que estão sofrendo? Como podem contar com a ajuda de alguém se até na comunidade de fé que frequentam essas falas são consideradas brincadeiras?

Falo como alguém que acompanhou a trajetória do Pr. Lucinho, já o vi pregar combatendo a pornografia e outros temas que muitos não teriam coragem de citar. Mas tudo isso me preocupa por diversos motivos, o primeiro é que foi uma fala feita para homens. O segundo reside no fato de que Lucio Barreto é um pregador de jovens e o mais preocupante é que essa fala tem sido normalizada, naturalizada ou ignorada por lideranças religiosas. É por esse motivo que precisamos falar sobre...


[1] Disponível em: https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/1694-pbestuprofinal.pdf acesso em: 03/05/2024.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Vinícius Gomes é cristão, possui MBA em Gestão da Educação Pública,  Licenciatura em História e atualmente é Mestrando em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Estado de São Paulo. Dedica-se a pesquisar as relações entre os Bolsonaristas e os evangélicos, bem como sua inserção no mundo digital.