Precisamos falar dos evangélicos antirracistas

Precisamos falar dos evangélicos antirracistas

Por Márcia Leitão

É urgente estarmos cada vez mais conscientes de que existem fiéis preocupados em refletir sobre o racismo, enfrentá-lo e se posicionar diante de vozes e situações como aquela que envolve o livro publicado pelo rapper Emicida, que foi riscado e recebeu escritos referidos à Bíblia. O episódio tem motivado debates sobre intolerância religiosa e racismo religioso, duas importantes expressões para a compreensão do país.

Em vez de me deter na validade e pertinência desse acontecimento, como muitos colegas já o apontaram em textos publicados neste espaço, procuro contribuir para a discussão sobre o racismo vigente nas igrejas evangélicas. Para tanto, gostaria de recordar que nem toda/o evangélica/o envereda por esse caminho. Entendo o racismo como assunto muito importante e urgente, porque toca em questões muito agudas da sociedade brasileira, afetando fortemente uma parcela significativa da sua população.

Na pesquisa que realizo sobre reparação histórica da escravidão negra, questão   mobilizada por organizações do movimento negro, por afrorreligiosas/os e evangélicas/os, é possível constatar a atuação de protestantes que desenvolvem a perspectiva antirracista. Elas/es entendem o racismo como pecado, que deve ser enfrentado de modo a explicitar suas diferentes manifestações na sociedade e na igreja – por exemplo, a demonização das religiões de matrizes africanas e a indiferença diante da violência que atinge negras e negros.

Embora numericamente menor, quando pensamos no fenômeno evangélico como um todo, o movimento realizado por essas pessoas precisa estar em evidência, seja para respondermos criticamente à concepção de que a população evangélica constitui um bloco homogêneo, seja para fomentarmos a percepção de que uma outra teologia, inclusiva, é não só possível, como já é praticada.

É verdade que isso não se aplica apenas ao racismo. Na política, o apoio de fiéis à candidatura do presidente Lula demonstra que um contingente de evangélicas/os vem assumindo um posicionamento que não desvincula fé e política, refletindo sobre outros domínios da vida religiosa e secular.

Tenho observado que as/os evangélicas/os antirracistas têm se preocupado muito em demarcar que, quando falamos da religião protestante no Brasil, consideramos também, de um lado, a histórica orientação cristã assimilacionista e ligada com a escravização negra. De outro, a busca por valorizar e aproximar o repertório teológico e doutrinário das questões sociais, atendo-se àquilo que afeta a parcela mais vulnerável da população, que é negra. Esta tem relevante presença nas igrejas evangélicas, sendo mais que adequado não se furtar ao combate aos diferentes modos de manifestação do racismo no interior delas. Mais. Vemos diversas iniciativas voltadas a valorizar a identidade negra, afirmar a proximidade com a herança cultural afro-brasileira e ainda refletir sobre a importância do continente africano para o cristianismo.

Para concluir, o combate ao racismo tem marcado o cotidiano de algumas igrejas e de seus membros, corroborando uma relevante questão:  há no meio evangélico divergências e contradições, portanto, as práticas de racismo precisam ser confrontadas e denunciadas, entendendo isso como oportunidade para mudança e também para que aquelas práticas não apaguem a diversidade que o fenômeno religioso precisa compreender.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Márcia Leitão Pinheiro é antropóloga pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF).