Psicólogo analisa o aumento de problemas de saúde entre pastores no Brasil
A saúde mental dos pastores no Brasil é um tema difícil de ser debatido. Nos EUA, o Barna Group vem acompanhando o aumento do numero de demissões de pastores, um fenômeno chamado de “The Great Pastor Resignation” (a grande onda de demissões de pastores, em tradução livre). Mas, por vários motivos, faltam dados para se examinar se a pandemia e a polarização política também estão fazendo vítimas entre pastoras e pastores aqui. Daí a importância de ouvir Daniel Guanaes, que atua simultânea como pastor em uma igreja local no Rio de Janeiro e como psicólogo clínico.
A interface da teologia com a psicologia é objeto do interesse dele interesse desde 2010, quando fez o doutorado em uma das muitas fronteiras existentes entre esses dois saberes. Defendi minha tese em 2015 e continuo lidando bastante com esta matéria de uma perspectiva prática, recebendo lideranças eclesiásticas no gabinete pastoral e no consultório.” Na entrevista a seguir, ele compara a situação de pastores brasileiros e estadunidenses para examinar as particularidades dos problemas de saúde mental no Brasil.
1. Você percebe que esteja acontecendo algo no brasil similar a essa onda de emissões de pastores nos EUA? há como dimensionar o tamanho desse fenômeno aqui no país?
R: Vejo um movimento similar acontecer no Brasil, mas com contornos diferentes. O contexto evangélico nos EUA é mais facilmente mapeado, porque a maior parte das igrejas locais está vinculada a denominações históricas, institucionalmente organizadas. Por mais que haja a compreensão do pastorado como uma vocação, lá essa função geralmente se estabelece numa relação mais formal de vínculo de um profissional com uma instituição religiosa. Você encontra “vagas para pastores” anunciadas em sites de recolocação profissional, por exemplo. Num contexto assim, mapear índice de demissões fica mais fácil.
A igreja evangélica no Brasil é mais plural, e mais composta por igrejas independentes e informais. Só daí já fica mais difícil mensurar. Soma-se a isso o fato de que o imaginário evangélico não trata a função pastoral na perspectiva do trabalho (como uma profissão, com possibilidade de recolocação no mercado, etc). A leitura é feita mais numa perspectiva mais mística. Então, também há evasão aqui, mas o equivalente das “demissões” seria o “fulano deixou o ministério” (ou deixou o ministério em tempo integral, indicando que terá que se dedicar a outra atividade também, geralmente por necessidade financeira). Ouve-se bastante isso. Hoje, eu ouço principalmente por questões de esgotamento emocional.
2. Quais sao os motivos mais comuns e recorrentes para pastoras e pastores desenvolverem problemas de saúde mental? eu relatei alguns deles: muitas responsabilidades, exposição a situações emocionalmente difíceis, vergonha por ser pastor, clima de polarização politica e tensões ampliadas pela pandemia. É por ai?
R: acredito que haja diferentes fatores que levam à exaustão mental. (1) Existe um messianismo muito forte atrelado à figura pastoral. A expectativa de que pastores e pastoras (como homens e mulheres de Deus) dêem conta daquilo que as pessoas não estão conseguindo resolver sozinhas é ininterrupta. Muitos líderes retroalimentam essa expectativa sugerindo uma pretensa capacidade de dar conta de tudo o que lhes chega como demanda. Como, na realidade, ninguém dá conta de suprir expectativa messiânica, muitos adoecem. (2) Poucos líderes são treinados para lidarem com os dilemas emocionais que lhes são apresentados. Muitas vezes as questões que chegam são muito complexas (dilemas relacionais, crises existenciais, morte, etc), e isso gera uma sobrecarga emocional. O nível de estresse é muito alto, pela natureza dos dilemas com os quais pastores e pastoras precisam lidar. (3) A relação da igreja evangélica com saúde mental ainda carece de muita iluminação por parte da ciência. Ainda há muita “demonização” das doenças mentais, leituras bastante “medievais”. Isso só faz adoecer, porque se não se pode falar abertamente sobre tais questões, dificilmente se poderá tratá-las adequadamente. (4) A polarização política é um fator deste cenário de esgarçamento dos últimos anos, mas curiosamente não me parece ser um fator preponderante em 2023 (até o ano passado isso aparecia mais. Hoje, menos. Mas acredito que volte com a aproximação das próximas eleições). (5) Com esse crescimento e essa glamourização do movimento evangélico no Brasil, eu percebo que a “vergonha de ser pastor” é menor hoje do que há dez anos, por exemplo. Diferente do que acontece na Europa e EUA, regiões nas quais a tendência é de descréscimo no número de cristãos, aqui a tendência é de crescimento. No geral, pelo que percebo, têm-se menos vergonha.
3. Há fatores diferentes que afetam a saude mental de pastores e pastoras brasileiros?
R: (1) A maior parte das igrejas brasileiras não consegue oferecer sustento suficiente para que os pastores vivam integralmente daquela atividade. Muitos inclusive são voluntários (não ganham nada, ou uma ajuda de custo simbólica), e precisam se dividir entre a atividade pastoral e outra atividade profissional (realidade diferente dos EUA e Europa). Gera mais estresse, preocupação é cansaço. (2) A situação política brasileira nos últimos anos afetou profundamente a igreja e a relação de boa parte dos pastores com os seus rebanhos (3) o contexto de violência, sobretudo nos grandes centros urbanos, faz com que pastores e pastoras no Brasil lidem com um certo tipo de estresse cotidiano que não encontra paralelos na maioria dos países.