Raízes e dilemas da música gospel brasileira

Todo produto da indústria cultural está constantemente sob o julgamento da qualidade, porque é produzido sob demanda do mercado, com prazo, enquadramento em perfis e demandas de público. A música gospel não é diferente: há produtos excelentes mesmo sob pressão industrial, mas que resultam do trabalho de pessoas qualificadas e com conteúdo elaborado; e, ao mesmo tempo, há produtos de qualidade sofrível, que buscam fórmulas para atração de consumidores de música religiosa.

A forma como o gospel se consolidou no Brasil é muito diferente da forma como se consolidou nos EUA. No Brasil nasce como movimento musical evangélico, que reforça as clássicas fronteiras entre sagrado e profano, entre o que é do mundo e o que é de Deus. Por isso os cantores gospel se autodenominaram “levitas” (sacerdotes). Por isso também se construiu uma cultura gospel baseada na adoração e no louvor, que tem bases do avivamento clássico na forma, e dos fundamentalismos no conteúdo. Nela estão presentes as ideologias da chamada guerra contra os humanismos, ou guerra cultural, e também a teologia da prosperidade.

É dessa concepção que se reivindica a separação do gospel da arte, porque o gospel é visto como comunicação com Deus, como mediação com o divino, e não como expressão artística. Nesse sentido, a utilização de outros gêneros musicais e da dança é ideologicamente interpretada como evangelização destes formatos.

Há muitos artistas que buscam desenvolver a reflexão da conexão música religiosa e arte mas, por conta desta cultura estabelecida em torno da teologia gospel, são escanteados. Vários deles buscam financiamento, patrocínio, para seus trabalhos e acabam sendo marginalizados e alvos de crítica neste processo.

Quando pensamos as críticas ao uso de recursos públicos para financiar eventos culturais evangélicos vemos que elas são legítimas pelo ponto de vista que tem sido empreendida, a partir dessa prática, uma instrumentalização da Religião, tal como se observa por políticos e lideranças evangélicas que protagonizam disputas de poder no espaço público. Ao mesmo tempo, há o problema do dinheiro público financiando produções com base proselitista que buscam "fazer o Brasil do Senhor Jesus”.