Reportagem do Fantástico sistematizou o que já conhecíamos: As abordagens proselitistas nas casas terapêuticas
O tema das comunidades terapêuticas e do uso de recursos públicos para instituições com vínculos religiosos é antigo. O que a matéria do Fantástico fez foi única e simplesmente sistematizar aquilo que já conhecíamos. Não é novidade que em grande parte dessas casas terapêuticas, o que a reportagem mostrou acontece. Muitas dessas comunidades terapêuticas querem libertar as pessoas dependentes químicas das drogas. No entanto, acabam utilizando, por vezes, abordagens proselitistas. Jesus Cristo é tornado quase um amuleto mágico para pessoas dependentes químicas. Junto vem posturas fundamentalistas de fé. Eu não acredito que uma abordagem religiosa sem embasamento na ciência e na medicina seja realmente eficaz para a cura de uma doença como a dependência química.
Que recursos públicos são investidos de maneira bastante significativa nessas clínicas, isso também não é novidade. Creio que a matéria mostrou isso bastante bem. A laicidade do Estado no Brasil prevê a cooperação entre Estado e instituições religiosas. para o bem público. Imagino que esse apoio às comunidades terapêuticas se embasa nesse argumento. Só que o problema disso é que não há regulamentação para essa cooperação entre a instituição religiosa e Estado.
Então, eu acredito que as comunidades terapêuticas, em primeiro lugar, deveriam estar vinculadas a instituições públicas de saúde. Como religiosa, compreendo que as espiritualidades podem ter um papel importante no processo de tratamento, desde que o paciente concorde. A abordagem espiritual precisa ser plural, ecumênica, inter-religiosa. A dimensão espiritual precisa estar acompanhada de uma abordagem interdisciplinar, em que a psicologia, psiquiatria e outras áreas da saúde desempenhem o papel principal. e desde que seja em uma perspectiva plural e muito vinculada com a psicologia ou com a psiquiatria, como um tratamento principal.
As espiritualidades podem ser uma dimensão do tratamento, mas não o centro dele.
Sabemos que são muitos os bairros e comunidades periféricas e pobres que não têm atendimento do Estado para a questão da dependência química. É nas periferias que estão essas comunidades terapêuticas. Muitas vezes, elas são o único recurso. Mas frente a esse quadro, creio que o caminho seja lutar pelo fortalecimento do SUS e pelo oferecimento de mais serviços públicos.
Não podemos nos valer da máxima de que “onde não está o Estado, está a Igreja” como justificativa para práticas que ferem a dignidade dos indivíduos. O que precisamos é fazer com que postos de saúde, atendimento, clínicas terapêuticas públicas e de qualidade cheguem aos bairros periféricos. Esse é o grande desafio.