Teologia precisa da mudança para dialogar com a vida

Teologia precisa da mudança para dialogar com a vida

Pouco tempo atrás um grande amigo meu participou de um daqueles encontros de turma, após algumas décadas de formado. O paraninfo, ainda vivo, foi chamado para falar novamente àquele grupo, não mais de jovens, mas de senhores e senhoras. Em sua fala o paraninfo resgatou sua fala no dia colação de grau destacando que, na dinâmica da vida, nenhum deles eram mais os mesmos, agradecendo a Deus a oportunidade que nos é dada para mudar, para crescer, para ampliar os horizontes. Sua fala foi sucedida pela então presidente da turma que, na contramão do paraninfo, agradecia a Deus por eles serem os mesmos (ainda que o próprio espelho a desmentisse). Um detalhe: estamos falando de uma turma de teologia, e de pastores e pastoras, líderes formados em uma das principais casas teológicas do país. Pelo menos era assim. Agora não mais. Os ventos da mudança passaram por lá também.

O que torna esse episódio incrível e, ao mesmo tempo, revelador, é que os defensores de uma (para eles) desejada imutabilidade pastoral, são os mesmos que apregoam a necessidade de arrependimento, de mudança, domingo sim e outro também, dos púlpitos nos quais têm a primazia. Ao se negarem concordar com a obviedade do paraninfo, tais líderes se igualaram às estrelas decadentes que, ao participarem do programa Superpop com Luciana Gimenez, faziam questão de repisarem a completa ausência de arrependimento pelos feitos na juventude.

Ocorre que, se a imutabilidade pode (se deve é outra conversa) ser alocada no divino, ela definitivamente não cabe ao humano. Mudamos de conceito; mudamos o voto; mudamos a nossa disposição para as aventuras na vida; mudamos de endereço, de vizinhança, de amigos; alguns mudam de família também, seja ela de fé ou não. Mudamos de emprego, de carreira profissional; mudamos os planos de viagem nas férias; mudamos a forma de ver a vida. Mudar é do ser humano.

Possivelmente alguns tenham se apegado uma consistência, ou melhor, insistência dogmática. Esqueceram que até os dogmas envelhecem, visto serem históricos, como bem lembra o filósofo da religião francês Augusto Sabatier. Neste caso, manter uma mente dogmática, fechada para sua interação com o mundo, é como assumir-se, precocemente, portador de um Alzheimer teológico. Teologia que não dialoga com a vida é teologia memorial: serve como lembrança, como registro da trajetória.

O que todos nós temos que celebrar é a possibilidade da expansão de nossa consciência, do acúmulo de mais informações, da revisão de antigos conceitos, sempre que eles se mostrarem decrépitos. As virtudes de caráter, como a honestidade, a lealdade, a solidariedade, entre outras, estas devem permanecer e se expandir. É melhor mudar, é melhor "ser uma metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo", como diria Raul Seixas, em sua composição musical.


Pr. Dr. Sérgio Ricardo Gonçalves Dusilek é Mestre e Doutor em Ciência da Religião (UFJF/MG); Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Filosofia da Religião, da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/MG); Pastor na Igreja Batista Marapendi (RJ/RJ); Professor do Seminário Teológico Batista Carioca. Autor de Bíblia e Modernidade: A contribuição de Erich Auerbach para sua recepção e co-organizador de: Fundamentalismo Religioso Cristão: Olhares transdisciplinares; e O Oásis e o Deserto: Uma reflexão sobre a História, Identidade e os Princípios Batistas. Contato: sdusilek@gmail.com