O milagre da multiplicação dos episódios

O milagre da multiplicação dos episódios

Financiada por meio de vaquinha online, a série cristã "The Chosen" deu um salto das telinhas para as telonas

Quando o filme que você fez falha, o seu telefone para de tocar e as ligações dei-xam de ser atendidas," explica Amanda Jenkins, produtora da série "The Chosen". "É um clichê sobre Hollywood, mas é verdade."
Ela se refere ao desempenho nas bilheterias do filme "A Ressurreição de Gavin Stone," dirigido por seu marido, o cineasta Dallas Jenkins, e lançado em 2017. "Nas primeiras horas daquela sexta-feira, no dia da estreia, nós já soubemos que seria um fracasso."

A carreira de Dallas passou por altos e baixos nos últimos anos. Ele era um ci-neasta com futuro promissor, foi abandonado por Hollywood, e agora veio ao Brasil para a estréia no cinema de três episódios da série que ele criou. É uma volta por cima para quem cogitou abandonar a profissão.

Dallas usava uma camiseta estampada com dois peixes, cinco pães e o número 5000 durante a tarde em que concedeu entrevistas no Hotel Fasano em São Paulo. "Chamamos a isso de 'a matemática impossível'," ele explica, referindo-se à manei-ra independente como a série The Chosen é realizada. “Nos concentramos em produzir nossos dois peixes e cinco pães, e Deus cuida da multiplicação.”
Esse "milagre da multiplicação" dos episódios de The Chosen aconteceu sem planejamento. Sem apoio financeiro de um estúdio, Dallas divulgou na internet em 2017 um curta-metragem de 20 minutos apresentando o conceito da série e lançou uma campanha de vaquinha online. “Esperávamos arrecadar 800 dólares. Mas conseguimos 10 milhões."

The Chosen conquistou o público ao retratar a vida cotidiana de Jesus em vez de apresentá-lo como um ser sobrenatural e distante com um halo na cabeça. Ele faz milagres, mas também viaja, encontra pessoas, ri e participa de festas.
Dallas, que também assina o roteiro da série, demonstrou para sua audiência que histórias cristãs podem ser contadas de maneira sofisticada do ponto de vista cinematográfico.

A estreia da primeira temporada aconteceu durante o período de confinamen-to devido à epidemia de Covid, e os primeiros episódios foram disponibilizados grátis pela internet. “As pessoas adoraram e ficaram emocionadas por ser algo gra-tuito. A série se espalhou pelo mundo e foi uma experiência incrível para nós," re-lata Amanda.

O aumento da audiência criou um ciclo virtuoso que ampliou a arrecadação. A distribuição continuou a acontecer gratuitamente por meio de um aplicativo pró-prio. E o boca a boca abriu mais oportunidades para rentabilizar o produto via ser-viços de streaming. No Brasil, GloboPlay e Netflix também oferecem a série.
E , apesar da greve convocada pelo sindicato dos roteiristas nos EUA, a quarta temporada será lançada no prazo. Como a The Chosen não depende de um estú-dio para financiamento, e sim do apoio financeiro dos fãs,  a equipe teve permis-são para continuar a trabalhar.

Se não for a mão de deus, é certamente um caso de sucesso a ser estudado.


Juliano Spyer é doutor em antropologia pela UCL, Juliano fez pesquisa de campo durante 18 meses em um bairro pobre na periferia de Salvador. Um dos resultados desse estudo é o livro Povo de Deus, quem são os evangélicos e por que eles importam (Geração 2020), finalista do Prêmio Jabuti em 2021. Ele escreve uma coluna semanal na Folha Online sobre cristianismo evangélico. Este Observatório é a maneira como ele leva adiante a tarefa de ampliar o conhecimento da sociedade sobre esse fenômeno. Siga-o no por este site, Twitter e/ou no Instagram