Trabalho social realizado por evangélicos é tema pouco debatido
O trabalho social desenvolvido por igrejas evangélicas têm um impacto muito potente na vida dos segmentos sociais mais pobres e estigmatizados. Por experiência própria, acredito que quem se propõe a desempenhar esse trabalho também é impactado de variados modos. Embora as iniciativas de assistência social promovidas pelas igrejas evangélicas sejam um fenômeno bastante concreto, que afeta a vida de muitas pessoas, dos que promovem aos que se beneficiam direta e indiretamente dessas ações, elas ainda não recebem a atenção que mereceriam receber da imprensa. Acredito que isso se deve a dois fatores. Gostaria de expô-los, para tanto evocarei, quando necessário, minha experiência de vida.
O primeiro fator refere-se ao tipo de trabalho social que predomina nas missões. Trata-se antes de tudo de um trabalho de caráter emergencial e prático. Ilustro isso recordando minha participação em uma iniciativa voltada para a atenção às pessoas em situação de rua e às mulheres em situação de prostituição. Nessa missão, realizávamos uma escuta ativa das questões trazidas pelos beneficiados, além disso, fornecíamos alimentos e outros tipos de assistência básica para esses grupos. Ou seja, realizávamos atividades que atendiam a uma demanda prática, de favorecer a satisfação de necessidades básicas, urgentes, de alimentação, mas também de escuta e acolhimento.
No que esse traço de urgência explica o desinteresse dos veículos de comunicação pelo tema do trabalho social realizado pelas igrejas evangélicas? As ações desempenhadas pelas igrejas evangélicas junto a segmentos sociais marginalizados, por se orientarem geralmente para demandas muito urgentes, tendem a se realizar sem o discurso do ativismo político convencional. Nesse aspecto, esse trabalho das missões difere do modo como as ONGs ou as instituições de Estado atuam no campo da assistência social.
No caso das missões, a prática de assistência não se enquadra no centro de uma apreensão crítica mais ampla da estrutura social. Diferentemente disso, o que tende a mover o trabalho desempenhado pelos evangélicos é antes de tudo um compromisso de fé, um compromisso com a vida das pessoas que não se circunscreve aos marcos de um ativismo político tradicional.
É importante esclarecer que isso não significa que o trabalho das missões se dê necessariamente desvinculado de um olhar crítico. A partir de minha experiência nessas iniciativas, eu reconheço que passei a refletir mais sobre a sociedade e sobre como eu poderia intervir nela a partir do meu trabalho missionário. O que estou afirmando, portanto, é somente que a especificidade do trabalho desempenhado pelas igrejas evangélicas parece não favorecer a emergência de um discurso politicamente orientado segundo os termos dos ativismos consagrados, do tipo daqueles que explicitamente levantam a bandeira em defesa dos direitos humanos e dos direitos sociais. Essa seria então uma das causas do desinteresse da mídia e de outros atores da sociedade civil a respeito da questão do trabalho social desenvolvido pelas igrejas.
Mas há um segundo fator que explica essa situação. Acredito que a mídia e as instituições não dão atenção ao trabalho de assistência realizado pelas igrejas porque veem nele uma espécie de proselitismo religioso. De fato, existem trabalhos assistenciais promovidos por grupos evangélicos que parecem visar sobretudo a evangelização. Sem dúvida, muitos evangélicos concebem os programas de trabalho assistencial como um meio para converter o sujeito contemplado pela ação à religião. A preocupação com o proselitismo, portanto, têm seu fundamento em casos reais.
O que é importante demarcar, entretanto, é que de modo algum as ações sociais da igreja se restringem ao âmbito dessa intenção proselitista. Existem trabalhos missionários que partem de um compromisso real, de um real interesse humanista pela vida das pessoas mais desfavorecidas. O que merece ser realçado é que para muitos fiéis, a prática de assistência social consistiria num desdobramento prático da fé em Jesus.
No contexto atual, esse agir de acordo com os ensinamentos de Cristo, realiza-se, por exemplo, nas ações direcionadas àqueles que são esquecidos pelo conjunto da sociedade. Muitas igrejas hoje atuam distribuindo cestas básicas para a população mais pobre, enfrentando assim um dos problemas mais graves do nosso tempo. Mas não é apenas isso. Existem projetos tão importantes quanto essas iniciativas, a exemplo daqueles direcionadas para o atendimento a pessoas com dependência química, alguns dos quais são desenvolvidos na região da Cracolância, em São Paulo.
O trabalho social promovido pelas igrejas evangélicas contempla também o estímulo à educação e a leitura, com destaque para ações que tem como público-alvo as crianças. Eu, por exemplo, comecei a congregar numa igreja porque eu morava numa região periférica. Na periferia onde cresci, a igreja desenvolvia projetos, gincanas, enfim, uma série de atividades as quais, além do estímulo à socialização, trouxeram-me também o incentivo para a leitura. A leitura passou a fazer parte da minha vida devido às ações realizadas pela igreja. Posteriormente, participei de um curso pré-vestibular organizado e oferecido também por uma igreja. Em suma, é evidente que o trabalho de assistência desenvolvido pelas igrejas não se limita ao proselitismo religioso.
A acusação de proselitismo religioso e a ausência de uma narrativa estruturada nos moldes dos ativismos políticos mais convencionais impedem que a sociedade civil, que não presencia tais redes tecidas a partir das ações de assistência social, tenha melhores condições de refletir a partir dos ensinamentos que tais ações suscitam.
Acredito que esses aspectos relacionados ao trabalho social desempenhado pelas igrejas evangélicas nos ajudam a compreender por que a igreja consegue se fazer presente em territórios totalmente negligenciados pelo Estado. A igreja está enraizada num espaço determinado, está integrada à vida do bairro, da periferia. As instituições de Estado e as ONGs têm muito a aprender com as igrejas. Cabe mencionar, aliás, que seria papel do Estado ocupar esses territórios não com truculência, como geralmente ocorre, mas com iniciativas e políticas do tipo daquelas que as missões evangélicas veem desempenhando. Como esse aprendizado poderia se realizar, no entanto, se existe, pelos motivos que apontamos aqui, um desinteresse dos meios de comunicação e de outros atores da sociedade civil pela questão dos trabalhos de assistência social desenvolvidos pelas igrejas?